Pitágoras na Grécia e na Fenícia
Pitágoras
viveu no século sexto antes de Cristo. Sua família era natural da ilha de Samos[1], mar
Egeu, nas costas da Síria.
Pitágoras
foi uma das maiores inteligências que já brilharam na Humanidade. Sua cultura
enciclopédica, como filósofo, matemático e legislador foi adquirida pela
leitura e, principalmente, por suas VIAGENS, além das lições que tomou com
vários sábios da época.
Aos
dezoito anos chegou ao Egito, com o fim de iniciar-se na sabedoria do Templo.
Lá viveu durante vinte e dois anos, conseguindo absorver toda a vasta Ciência
egípcia. Quando lá se achava, o Egito foi invadido pelo Rei da Pérsia, Cambises[2], que
o mandou deportado para Babilônia, junto com muitos outros sacerdotes egípcios.
Passou 12 anos na Babilônia onde ampliou seus conhecimentos astronômicos e
matemáticos. Terminou os seus dias em Crótona, onde viveu 30 anos, criando a
Escola Pitagórica da qual, mais tarde, Sócrates e Platão foram discípulos.
Uma
das versões sobre a morte de Pitágoras é que morreu queimado, fechado em sua
casa com trinta e oito discípulos, vítima do ódio dum cidadão importante,
excluído de sua Escola e que se vingou amotinando o povo contra o Sábio.
A
descrição das VIAGENS DE PITÁGORAS é uma homenagem ao grande espírito do
filósofo e um meio de se fazer um passeio pelo mundo de há mais de dois mil e
quinhentos anos.
Virgínia
da Silva Lefèvre
CAPÍTULO I
Com os olhos perdidos nos
cumes distantes da montanha de Mícale, para lá do estreito, Mnesarco, o grande
artista da ilha de Samos não ouve a bordo o cantar as giórgias dos gregos, nas
odes incomparáveis de Homero. Havia mais de seiscentos anos que Tróia caíra,
com a mesma nobreza e a mesma coragem que tinha caracterizado sua existência
milenar. A Mnesarco, naquele momento, importava muito mais a queda de seu
próprio coração. Ia casar com a nobre Partênis que tinha conhecido nas grandes
festas em honra de Juno. Vira-a, pela primeira vez, à frente do cortejo das
virgens. A silhueta esbelta
ressaltando-se no fundo azul do céu, quando subiam o promontório onde tronava,
imponente e severo, a seiscentos passos do mar, o templo magnífico da deusa
mais querida dos samianos – a deusa tutelar dos casamentos. [3]
Naquele dia, todas as
casas de Samos e dos burgos vizinhos estavam enfeitados de guirlandas e de
flores em profusão. Todos os samianos estavam ricamente paramentados para a
festa, em honra a Juno, porém Partênis não precisava de atavios. Coroada de
rosas branca, vestida de uma túnica leve e macia como a penugem de pássaro, os
pés minúsculos calçados em sandálias graciosas, ela se destacava pela doçura do
sorriso e pela imponência natural do porte. Partêmis também reparou na
admiração do artista mais célebre de Samos e retribuiu-lhe o amor com o mesmo
ímpeto e espontaneidade. Ambos eram de nobres famílias. Nada havia para impedir
um indesejado himeneu. Se Partêmis era descendente do primeiro rei de Samos,
cuja linhagem remontava a Júpiter[4],
Mnesarco também vinha de deuses. E, além disso, era rico, riquíssimo, graças
aos seus trabalhos em cerâmica e em glíptica.[5] O
célebre anel que Polícrates lançou ao mar, num gesto supersticioso, fora obra
sua. Na preciosa esmeralda, Mnesarco tinha gravado uma lira, criando uma
obra-prima. E não havia quem modelasse mais lindas crateras, nem ânforas de
linhas mais delicadas ou hídrias de mais belo estilo, pois que Mnesarco tinha
tomado lições com os mestres etruscos. Quando passeava pelas praias de Samos,
gozando a brisa tépida da tarde, os cabelos negros atados em coroa, nem
reparava que muitas jovens por ele suspiravam. Porém Partêmis teve o dom de
despertá-lo de seus sonhos de arte, nos quais vivia imerso. Iam casar, no dia
seguinte.
Rodeado pelos amigos,
Mnesarco pensava que sua amada devia estar agora no “nymphaeum”[6],
para os banhos sagrados, no templo de Juno. Parecia-lhe vê-la sair do gineceu,
acompanhada pela mãe, linda como uma deusa e simples como uma flor, os cabelos
castanhos presos pelos compridos grampos de marfim, a túnica de linho, cingida
num cinturão de fina lã, terminando por uma franja tingida três vezes na
púrpura... seria aquele o último dia em que Partênis dormiria no apartamento
reservado às mulheres...
O bardo continuava
celebrando as glórias dos gregos nos versos portentosos de Homero. Ulisses
falava: “Meu coração está oprimido de desgostos, mas a fome e a sede me
compelem a viver e a esquecer meus males. Quando despontar a aurora, suplico-vos,
ajudai-me a voltar à pátria...”.
“Quando espontar a
aurora...” Mnesarco pensa que o amanhecer lhe trará sua amada, sua para sempre,
e sorri, distraído, imerso num devaneio que lhe põe n’alma as delícias do
Olimpo. Amanhã Partênis será sua esposa.
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Partênis acabava de
chegar ao templo de Juno onde, conforme os ritos, passara o pelos banhos
sagrados, assistida pela sacerdotisa da deusa padroeira do himeneu. Mãe e filha
dispõem-se a passar o último serão juntas. No silêncio do gineceu, as escravas
servem a ceia que consta de sardinhas, pão azeitonas e frutas. Naqueles climas
amenos, o homem pode levar uma vida simples e frugal. Não o abatem os grandes
calores, nem o regelam os invernos duros. Graças a isto, não são necessárias as
refeições abundantes, nem uma indumentária complicada ou casas luxuosas. O mobiliário
do gineceu é simplicíssimo: dois leitos, cadeiras de curvas harmoniosas, com
pés arqueados, de proporções elegantes, terminando em garras de leão, duas
mesas arredondadas, de desenho formoso e simples e alguns tamboretes. Os móveis
são todos ricamente adornados de marfim e prata. Os belos candelabros são de
barro e bronze, elegantes e graciosos, assentados em trípodes também em forma
de garra.
Partênis passeia os olhos
comovidos pelo vasto aposento onde passou os anos calmos da adolescência. Sua
mãe nada diz, pungida por uma saudade prematura. Comem em silêncio. No ambiente
familiar se expande a arte grega nos mais pequenos objetos. Tudo é simples,
eloqüente e límpido como se combinasse para exprimir, numa justa proporção, o
que exige o sentimento.
Acabado o repasto, as
duas, maquinalmente, dispõem-se aos trabalhos do serão. Nestas horas de calma é
que elas tecem os panos de fino linho e do alvo algodão. O ambiente físico
ensinou os gregos a serem ativos e laboriosos. Se a ociosidade era uma virtude
social em Esparta, sempre foi um crime em Atenas. E a gente de Samos é jônia,
mantendo os mesmos hábitos da terra donde vieram seus remotos antepassados.
Mesmo nas famílias nobres, as filhas lavavam roupa e teciam para seu próprio
uso, enquanto que os filhos não se envergonhavam de vigiar os rebanhos ou
trabalhar no campo. Por isso, naquele último serão, mãe e filha trabalham
juntas, numa despedida. Num lar grego, os servos são escolhidos com o maior
cuidado e são tratados como amigos. Arifila, a escrava dileta de Partênis, não
se contém e murmura:
– Fiando e bordando, na véspera do casamento!...
A mãe ouve e replica:
– E por que não?...
Estava quebrado o
silêncio. Põem-se a conversar sobre o enxoval e sobre a cerimônia a se realizar
no dia seguinte. A pedido de Partênis, Arifila canta uns versos de Hesíodo.
“A terra é cheia de
males. Zeus, o senhor dos deuses, determinou a sorte dos mortais. Diante de seu
trono majestoso, estão os dois enormes tonéis que contém um o bem, o outro o
mal. Caprichoso, Zeus dá a cada homem os dons que bem entende. Por vezes, tira
um pouco de cada tonel. Outras vezes, só distribui o que retira do tonel das
dores. Pobre mortal! Será votado a ultrajes de todo o gênero e a Fome o
exortará pela terra, errante, abandonado...”
A escrava calou-se,
emocionada. A mãe não quer que a melancolia espane as alegrias puras do noivado
de Partênis. Põe-se a falar, com o tom calmo que lhe é peculiar:
– Arifila!
Se Zeus determina o destino dos mortais, dá-lhes também uma oportunidade de remissão!
Por isto os homens são religiosos e, pelos sacrifícios, conseguem angariar o
favor dos deuses, quebrando as rudezas do Destino. Zeus está vigilante. Sua
filha, a Justiça, exige que os mortais respeitem seus semelhantes. Os homens
devem saber distinguir o justo do injusto. Só os animais podem devorar-se entre
si, porque não conhecem a Justiça. O mundo não é tão feio como disse o Poeta.
Partênis não entra na
conversa. Ela sabe o que significa o casamento. A religião ensinou-lhe os dois
magnos deveres de toda criatura humana: progredir e procriar. Para um grego, a
voz da Natureza é a voz dos deuses. E quem cultua a beleza nas coisas, cultua
forçosamente o Belo Ideal, fonte de toda paz e de todo equilíbrio. Não!
Partênis não teme o casamento. Amanhã, ao romper do dia, quando Mnesarco vier
buscá-la no gineceu, ela o seguirá feliz e corajosa, até o templo de Juno, para
a cerimônia nupcial.
Partênis está agora a
relembrar o que a sacerdotisa lhe disse naquela tarde, no “nymphaeum”: “Teu lar
é um santuário no qual serás sacerdotisa e teu esposo, o deus. Nada digas, nem
faça sem sua inspiração ou sem consultá-lo. Lembra-te: a felicidade não é uma
dádiva dos deuses e sim, uma conquista! Sê como as Graças que vão espalhando
flores pelos caminhos por onde passam. É preciso que teu marido te considere
como a primeira entre as divindades tutelares. De ti dependem a ordem, a paz e
a alegria no lar!” ...
Seus dedos tecem com maior ligeireza e ela,
também, se perde em delicioso devaneio.
CAPÍTULO II
Mnesarco e Partênis
tinham tudo que um mortal pudesse desejar na vida, porém faltava-lhes um filho.
Resolveram consultar o oráculo de Delfos, quando lá tinham ido para os célebres
jogos píticos, que, de 8 em 8 anos, enchiam de entusiasmo a Grécia toda,
atraindo a Fócida gente de todas as ilhas do mar Egeu.
A jovem desposada
desejava ardentemente unir às doçuras do amor e da opulência, os prazeres
inefáveis da maternidade. Antes de consultar o oráculo de Apolo, Partênis
ofereceu ao templo uma crátera de bronze, artisticamente lavrada pelas mãos
hábeis de Mnesarco. Era costume dos ricos procurar obter a benevolência do deus
por meio dum presente precioso.
Em toda a Grécia não
havia outro santuário mais célebre que o de Apolo pítico onde a arte mântica
era verdadeiramente assombrosa. O antigo lugar das consultas ficava na vertente
meridional do Parnaso, no ponto onde se abre uma furna escura sonde brotam
emanações narcóticas. Um século antes da primeira olimpíada[7] já
se erguia o templo, severo e imponente, na plataforma dos rochedos de Delfos.
Nele, a virgem pitonisa levava vida austera e recolhida para que a faculdade da
clarividência nela se manifestasse. E aquele que pretendesse consultar Apolo,
devia purificar-se pela meditação durante vários dias, no fim dos quais, coroado
de louros, oferecia ao deus algumas vítimas propiciatórias. “À porta de entrada
estava escrito: Quem não tiver as mãos puras, não se aproxime!”. Só assim o
consulente adquiria o direito de subir à galeria construída sobre o abismo,
onde se defrontaria com a pitonisa preparada por um prévio jejum que durava
três dias. A sacerdotisa – sentada sobre uma trípode de bronze, forrada com a
pele da serpente Pitom morta por Apolo e colocada perto da furna – respirava
profundamente as emanações que brotavam da terra, despertando assim suas
faculdades mânticas. Recebia então a mensagem profética dos deuses.
Foi neste estado de
êxtase que ela teve a visão do futuro de Partênis. Suas palavras vagas e
incompreensíveis foram assim interpretadas pelo ministro do deus: “Feliz casal,
navegai para Sídon. Lá Mnesarco obterá grandes riquezas e Partênis terá o filho
que deseja, belo como Apolo e sábio como a Pítia”.
Quando desciam novamente,
pelo vale tortuoso cavado entre as altas montanhas, Mnesarco e Partênis iam
cheios de esperanças, pois jamais tinham falhado as predições da Pítia. Nem
mais gozavam a beleza grandiosa da paisagem, agitados como estavam. A cidade de Delfos semelhava um ninho
atrevido de água altaneira, encarapitado no rochedo e dominado pelos dois cumes
do Parnaso. De longe, já se viam as Vitórias de bronze, os Cavalos de cobre e
inumeráveis estátuas de ouro que marginavam a via sagrada para o templo de
Apolo Pítio. O lugar mais santo de toda
a Grécia parecia envolto em grandeza e mistério. Ali se amontoavam capelas
votivas de todos os povos helênicos e os tesouros das oferendas ali encerradas
eram célebres em todo o mundo civilizado. As romarias de gente – homens,
mulheres e crianças – desfilavam infindáveis, todos desejosos de subir a via
sagrada para saudarem o deus da Luz.
Desde tempos imemoriais
que Delfos era um centro de adoração. Contava a tradição[8]
que, em época perdida na noite dos tempos, um pastor se chegara à caverna donde
brotavam os misteriosos vapores. Sentado à borda do precipício, o jovem se
pusera a profetizar. Julgaram que tivesse enlouquecido, porém suas predições se
realizaram e os sacerdotes resolveram consagrar o recinto ao deus da Luz que se
dignava desvendar aos homens os segredos do futuro. E, desde então,
preparavam-se sacerdotisas para ouvirem a voz dos deuses e transmitirem aos
mortais. Foram as pítias que, respirando os vapores da terra, caíram em estado
sonambúlico e prediziam com singular acerto, que valeu para Delfos a veneração
de todo o mundo helênico. Não se empreendia nenhuma ação de vulto sem uma
prévia consulta ao célebre oráculo de Delfos. Os poetas contavam que Zeus quis
conhecer onde era o centro da Terra e então, fez partir, do nascente para o
poente, duas águias. E estas se encontraram em Delfos.
Ainda no tempo de Arfeu,
Dionisios ou Baco e Febo-Apolo tinham-se disputado a trípode mântica de Delfos.
Finalmente, Dionisios resolvera cedê-la a seu dileto irmão, retirando-se para
um dos cumes do Parnaso onde recebia o culto das mulheres tebanas. E Delfos
assim ficou consagrado ao deus da Luz, inspirador da poesia, da medicina e das
leis, símbolo da Ciência pela adivinhação, a Beleza pela arte, da Paz pela
justiça e da Harmonia do corpo e da alma pela purificação. Para os gregos,
Apolo simbolizava a manifestação do divino espírito no homem terrestre.
Em Delfos, contava-se que
Apolo tinha nascido em Delos[9] e
seu nascimento fora saudado por todas as deusas. Envergando o traje dórico de
guerreiro, de loriga e couraça, aljava a tiracolo, belo entre os mais belos,
ele criou a ordem, o esplendor e a harmonia cujo eco maravilhoso é a Poesia.
Ondas de luz faziam o grande mar resplandecer, palpitante. Nesses tempos, uma
serpente monstruosa assolava a terra de Delfos, devorando homens e rebanhos e
devastando colheitas. O deus para lá se dirigiu e com suas flechas adestradas
deu cabo do monstro, saneando a região e fundando o templo – símbolo da vitória
da luz sobre as trevas. Entretanto, ao matar a serpente Píton, salpicou-se do
sangue venenoso de sua vítima e, durante 8 anos, o deus penou em duras
expiações, arte ficar novamente imaculado. Seus sofrimentos eram uma lição para
os mortais que se agitam no círculo fatídico da carne – sofredores,
insatisfeitos e inquietos enquanto não vencem a animalidade, ascendendo aos
esplendores do espírito.
Durante a primavera,
Apolo vinha sempre a Delfos onde lhe cantavam hinos ao som das liras de marfim.
Dizem que eram poucos os que podiam vê-lo chegar, mais alvo que um raio de
luar, sentado num carro que dois cisnes puxavam. O deus repousava então no
santuário onde a Pítia transmitia seus oráculos. Nesta ocasião privilegiada, o
silêncio povoava-se com o canto meigo dos rouxinóis e as águas da fonte de
Castália[10]
pareciam ainda mais puras e mais frescas. A luz descia sobre a alma atribulada
dos mortais e fazia-os vislumbrar as delícias que os bem-aventurados gozam nos
Campos-Elísios. Mais do que sempre, naquelas épocas benditas, a Pítia, de olhos
fechados, via mais longe e melhor que de olhos abertos. A clarividente assumia
uma consciência mais profunda de todas as coisas. E, êxtase, via aberto o
grande Livro, do começo ao fim.
Estas considerações não
perpassavam pelo espírito de Mnesarco e Partênis. Ambos só pensavam nas
palavras dói oráculo. Teriam um filho que seria útil a todos os homens, em
todos os tempos! Mas deviam ir a Sídon, na Fenícia... Por quê? Decerto era para
que a criança fosse concebida longe das influências más que então agitavam a
ilha de Samos onde o tirano Polícrates começava a fazer sentir suas
prepotências.
E assim, antes mesmo de
nascer, a criança foi votada por seus pais ao deus da Luz. De volta à pátria,
enquanto a trirreme era balouçada pelas ondas azuis do mar Egeu, Mnesarco e
Partênis já planejavam a viagem a Sídon, onde grandes ganhos estavam reservados
ao artista.
Se Samos a Sídon, na
Fenícia, a viagem era longa. Mnesarco fretou para si uma trirreme cujo piloto
era um fenício veterano na navegação. Se os ventos não fossem favoráveis, os
remos poderiam enfrentar os caprichos de Éolo[11] e
a embarcação era possante para zombar das fúrias de Netuno[12].
Porém aquela viagem era abençoada pelos deuses e tudo correu bem.
Era a primeira vez que
Mnesarco e Partênis aportavam na velha Sídon que se julgava ainda mais antiga
que Tiro[13]. Ambas
eram metrópoles de intenso comércio e a indústria da púrpura celebrizara-as. A
cidade se estendia até a borda do Mar interior, [14]
cujas águas parecem mais azuis que a de qualquer outro mar. Pouco distante da
costa, estendia-se uma planície verdejante e risonha que encantou os olhos
cansados de Partênis. Namontanha que delineava o prado pastavam calmamente
cabras e cabritinhos. A terra boa produzia, fartamente, vinhedos e olivais.
Porém, espremidos entre a montanha e o mar, os fenícios tornaram-se os maiores
navegadores de todos os tempos. O porto
vivia cheio de embarcações de todos os tipos, vindas de todos os pontos da
Terra. O comércio tornara Sidon uma das mais ricas cidades do mundo de então,
porém a riqueza a corrompera. Era uma cidade aberta a todos os cultos e a todos
os costumes. O espírito religioso de Partênis ressentia-se muito com o ar
libertino da metrópole fenícia, pois estava acostumada a um ambiente muito
puro, Mnesarco alojou-se numa casa confortável, retirada do bulício, cercada
por um jardim umbroso, onde Partênis podia passear ou descansar à vontade,
enquanto o esposo trabalhava em escultura e em glíptica. No pomar,
havia romãzeiras, laranjeiras, figueiras e amoreiras. Ao longe, nas montanhas,
o cedro se expandia em pujança e imponência. Partênis distraía-se tecendo e
confeccionando com suas próprias mãos o enxoval da criança prestes a nascer. A
profecia cumprira-se quanto aos ganhos fabulosos de Mnesarco e, numa bela
tarde, consumou-se de todo com o nascimento dum menino.
Mnesarco, radiante de
contentamento, apressou-se em levar o recém-nascido ao templo de Apolo, seu
padroeiro e deu-lhe o nome de Pitágoras, em homenagem à infalibilidade da Pítia
do oráculo de Delfos.
Logo que Partênis ficou
em condições de viajar, o feliz casal voltou para Samos. Grato, Mnesarco votou
o dízimo de seu ganho à construção dum santuário para Apolo e dotou-o com um
sacerdote, sábio e santo.
Em seu palácio, onde os
destinos dos homens estão gravados sobre o ferro e sobre o bronze, as Três
Parcas teciam em fios de ouro a vida do filho de Mnesarco e Partênis, rodeando o
berço de Pitágoras com as riquezas do amor e do conforto.
CAPÍTULO III
Os primeiros anos de vida
de Pitágoras transcorreram calmos no palácio de seus pais, à sombra do
santuário de Apolo a cujo sacerdote competia educar o menino. O ministro do
deus achava que a Natureza deve ser a única mestra da infância. A criança deve
crescer naturalmente, como as plantas, ao bafejo do sol e às carícias da brisa.
Os primeiros anos da vida humana são o reino do instinto. O bondoso sacerdote
dava ao menino a liberdade de correr pelos campos, livre e feliz. Com seu
pupilo ele galgava os rochedos donde brotavam nascentes de água fresca e pura.
Aquela vida desenvolvia na criança um grande amor às plantas e aos animais.
Um dia, um amigo de
Mnesarco quis fazer um sacrifício no santuário da família. Em suas mãos, um
galo se debatia aflito, adivinhando o destino que lhe reservavam. Até então,
Pitágoras nunca tinha assistido a um sacrifício. Nas mãos do sacerdote, ele só
tinha visto plantas medicinais ou insetos apanhados durante os longos passeios
pela montanha. Via-o agora armado som uma faca disposto a imolar a pobre ave
sobre a pedra do altar. Seu espanto foi enorme e seu desespero, inútil. Não
resistiu. Quando viu o sangue a escorrer por entre as chamas votivas, saiu a correr,
chorando amargamente. Com o instinto peculiar às crianças foi queixar-se á mãe,
porém Partênis não lhe deu razão, tentando fazê-lo compreender que o sangue dos
animais agradava aos deuses e os dispunha a favor de quem lhe oferecia uma
vítima. Calado, macambúzio, inconsolável, o menino sentiu, pela primeira vez
que o egoísmo dos homens quebrava a maravilhosa harmonia da natureza. Pela
primeira vez sofreu e chorou. Como era possível que os deuses, senhores dos
destinos dos homens, apreciassem o derramamento do sangue de animais inocentes
e inofensivos? E o menino nunca mais pode esquecer a cena horripilante que lhe
fez tomar de horror ao seu primeiro mestre.
Outros dissabores mais
sérios estavam reservados ao jovem Pitágoras. Mnesarco adoeceu gravemente e
sentindo que Átropos se dispunha a cortar o fio de seus dias, tratou de
providenciar um tutor para o filho ainda de tão pouca idade. Sua escolha recaiu
na pessoa do sábio e virtuoso Hermódamas que vivia em retiro, sempre a estudar
e meditar, afastado da vida pública ou de mesquinhos interesses materiais.
Hermódamas era descente
do célebre Cleófilo de Samos, o mesmo que tivera a honra de acolher em sua casa
o grande Homero, proscrito, envelhecido e abandonado por todos. A hospitalidade
de Creófilo tinha garantido a paz para os últimos anos de vida do Pai da
Epopéia. Era desse homem que descendia Hermódamas, escolhido para tutor e
mestre de Pitágoras.
No seu leito de dores,
Mnesarco agonizava. Antes de ir para o reino de Hades, quis falar com o filho.
O menino chegou-se, muito pálido, porém firme e compreensivo. Com voz fraca, o
pai falou:
– Pitágoras, meu filho, vem receber meu último
adeus.
O menino beijou as mãos
geladas, enquanto Hermódamas e Partênis se acercavam. Num gesto lento, o
moribundo ainda pode acariciar a cabecinha loira. Seus olhos embaçados pousaram
em Hermódamas, balbuciando:
– Em tuas mãos... entrego... meu filho...
E foram estas suas
últimas palavras. A chama da vida tinha-se-lhe apagado para sempre. O doloroso
silêncio foi quebrado pela voz de Hermódamas que rezava a oração dos mortos,
dirigida a Hermes ou Mercúrio, o deus que conduz ao Hades as almas
trespassadas, desligando-as da cadeia da carne.
A notícia do passamento
do grande artista correu célere e, ao despontar do dia, muitos se ocupavam em
tecer guirlandas e coroas para as fúnebres solenidades. Hermódamas não largou
de Pitágoras, cujo desespero mudo era assustador, em tão tenra idade. Repetia,
consolando-o:
– Pitágoras, não chores a
morte dum homem justo e útil aos seus semelhantes.
O cortejo fúnebre de
Mnesarco foi uma prova de que Samos sabia honrar o grande artista e para
Pitágoras, adolescente, houve um certo consolo nestas homenagens a seu
progenitor.
À noite, depois do
enterro, quando sozinho com Hermódamas, Pitágoras foi remexer no “atelier” de
seu pai, onde, ultimamente, já trabalhava também. Por toda parte, belos
trabalhos, alguns ainda por acabar. A um canto sobre um pequeno pedestal de
ouro, um pedaço de ônix onde estava esculpida a figura de três Musas
disputando-se a posse duma lira. No ouro havia uma inscrição feita pela mão de
Mnesarco: “Obra de Pitágoras aos quatorze anos”.
O filho pôs-se a recordar
a alegria do pai quando tinha visto aquele trabalho pronto. Eram risonhas
promessas para o artista, imaginando que seu querido Pitágoras herdara sua
profissão. Este se lembrava perfeitamente das palavras de Mnesarco, ainda não
havia um ano: “Meu filho, peço aos deuses que teus trabalhos sejam muito
superiores aos meus. Cultiva tuas capacidades artísticas. Lembra-te sempre de
que um bom artista é superior a um grande rei. Mais vale criar uma obra-prima
do que conquistar burgos e cidades”.
Entretanto, mais altos
ainda eram os destinos reservados ao jovem Pitágoras. O sábio Hermódamas ia-lhe
passando todos os conhecimentos que possuía e Pitágoras preferia o estudo e a
meditação a se dedicar à gravação em pedras preciosas. Os seus longos passeios
pela ilha de Samos, acompanhado por Hermódamas, eram vivas lições tomadas no
livro vivo que é a natureza. Sentados num ponto alto do promontório Posidium
que dominava o mar Egeu, conversavam sobre assuntos sérios e profundos.
Hermódamas contava ao discípulo tudo o que sabia sobre a ilha de Samos, desde o
tempo remoto em que para lá tinham emigrado os jônios, fugidos de Atenas por
questões políticas. A ilha era uma espécie de prisão que limitava as atividades
dos homens. A necessidade tornou-os intrépidos navegadores e chegaram a ir até
o Alto-Egito onde fundaram entrepostos comerciais. Dentro em pouco, o povo de
Samos ficou riquíssimo e começou a esquecer de cultivar os tesouros do solo
fecundo. Hermódamas, como filósofo, não podia ver com bons olhos aquelas
riquezas que, a seu ver, serviriam apenas para atiçar a inveja dos outros
gregos e a cobiça do Persa ali vizinho.
Pitágoras ia aprendendo
assim a não enxergar o valor dos bens materiais deste mundo, alargando cada vez
mais seus horizontes intelectuais. A biblioteca que tinha herdado de seus pais
encerrava manuscritos preciosos. Pitágoras devorou-os uma a um, lendo-os
infatigavelmente, durante meses e meses, orem os livros não foram suficientes
para lhe satisfazer a sede de saber. Vendo o discípulo inquieto e insatisfeito,
o sábio Hermódamas propôs-lhe que deixasse os livros mortos e procurasse ler
nos livros vivos, correndo o mundo. Começariam por viajar por toda a ilha de
Samos, pois que a águia não permite aos aguiluchos os grandes vôos enquanto não
estão aptos a voar à volta do ninho. Palmo a palmo, Hermódamas e Pitágoras
percorreram o solo desigual, porém fertilíssimo da ilha de Sammos, onde medram
toas as árvores da Ásia, com exceção do cipreste. Uma a uma admiraram as obras
de engenharia no porto onde se abrigavam navios de todos os feitios e
procedências e maravilhosas fortificações de pedra que defendiam a cidade. O
circo imenso, talhado em anfiteatro na montanha, as praças públicas cheias de
estátuas de mármore, os templos de Netuno e de Juno, o aqueduto que provia o
abastecimento de águas, tudo atestava o progresso e a riqueza de Samos.
Entretanto Hermódamas só mostrava apreensão e tristeza, ressaltando como as
terras férteis eram tão pouco cultivadas e como os homens amolecidos no luxo
recusavam seus braços à lavoura. Portos, diques, muralhas, aquedutos, templos
suntuosos eram um chamariz perigoso. Hermódamas suspirava, saudoso dos remotos
tempos em que a gente de Samos vivia, modesta e ignorada, praticando a
cerâmica, numa paz feliz e cheia de fartura. Tinham comprado a riqueza a custa
da independência e da tranqüilidade. Por trás das colunas e dos ouropéis gemia
a classe pobre e desvalida, afundada num abismo de ignorância e miséria. As
riquezas todas corriam para a corte de Polícrates como os rios correm para o
mar. E Hermódamas expunha aos olhos do discípulo os problemas sociais,
esclarecendo-o e forçando-o à meditação.
Um belo dia, recebeu
Hermódamas uma missiva:
“Polícrates, rei de
Samos, ao sábio Hermódamas:
Vem ao meu palácio
amanhã.
Espero-te, com teu
discípulo”.
Despachou o escravo:
– Dize a teu amo que
cumpriremos suas ordens.
Tinha sucedido o que
Hermódamas tanto temia. O tirano de Samos lançara suas vistas sobre o rico
herdeiro de Mnesarco.
A Pitágoras não escapou a
angústia do seu preceptor. Forçou-o a uma explicação. Até então, tendo vivido
isolado em suas propriedades, o jovem Pitágoras desconhecia quase inteiramente
a situação política de sua pátria. Chegara o momento em que o mestre devia
esclarecer o discípulo.
Quem era Polícrates? Por
que temer ao som se seu nome?
A história era curta. Os
insulares tinham enriquecido e eram temidos pelos vizinhos. Começaram a
guerrear entre si, sem opinião determinada e nem princípios fixos. Joguetes de
muitos partidos, incertos na escolha dum governante no meio de tantos
ambiciosos, deixaram-se guiar por um golpe de audácia. Na ilha morava um
negociante riquíssimo, chamado Eaces. Aproveitando-se duma festa, quando os
insulares estavam todos reunidos para assistir a um combate simulado entre
várias galeras, Eaces fez uma proposta ousada à gente de Samos. Doava à pátria
todos os seus bens; deserdando os três filhos. Estes que trabalhassem como ele
tinha trabalhado. Impunha, porém, uma condição: deveriam escolher um rei,
naquele momento mesmo, para acabar definitivamente com a anarquia reinante. O
entusiasmo da multidão foi indescritível. Emocionados pela grande generosidade
de Eaces, elevam-no ao trono, em retumbante unanimidade. Em poucos meses ele
passou de chefe arei, e de rei a déspota, oprimindo a ilha com a pressão de sua
vontade ambiciosa. Seus três filhos, em virtude do pacto feito pelo pai,
estavam na miséria. Polícrates era o filho mais velho. Coligando-se, os três
irmãos destronaram e mataram o pai. Entretanto, um trono era pequeno demais
para três e Polícrates resolveu o problema da seguinte maneira: envenenou um
dos irmãos e exilou o mais moço que julgou inofensivo. Desta espécie era o
tirano de Samos. E quem não hesitara em sacrificar os irmãos pela carne, o que
não faria para estranhos?
No dia seguinte, pela
manhã, Hermódamas e Pitágoras foram ao palácio do déspota. Chegaram à hora do
banho, mas já eram esperados e tiveram licença para penetrar no suntuoso salão
onde Polícrates se banhava em águas perfumadas com preciosas essências do
Oriente. Recebeu-os cheio de fingida amabilidade, alegando que os chamara
porque queria que sua corte fosse o asilo das luzes e da sabedoria de Samos.
Exigia a presença de Pitágoras em seu palácio. Filho e herdeiro do talento de
Mnesarco, deveria lavrar para Polícrates um novo sinete. E trabalharia mesmo na
residência real onde seria tratado como um príncipe e com honorários
principescos. Quanto ao sábio Hermódamas tinha uma missão diplomática a
cumprir, num reino distante, no continente.
O preceptor de Pitágoras
respondeu apenas com agradecimentos, solicitando do déspota a permissão de
voltarem aos seus lares, para decidirem certos pequenos detalhes domésticos.
Sim; poderiam ir, com a condição de estarem de volta à meia noite,
impreterivelmente.
Não havia um momento a
perder: era preciso fugir. Se passassem na corte um só dia que fosse, seriam
doravante prisioneiros de Polícrates! O fato do déspota querer separar o
discípulo de seu mestre era mau sinal. Pitágoras aceitou o alvitre com todo o
prazer, não apenas movido pelo espírito de aventura, mas principalmente o
porquê se sentia revoltado contra o tirano que pretendia resolver sobre o destino
de seus súditos. O jovem, ardente e sonhador, não tinha vontade de ser
encadeado nos pés dum trono para abraçasr uma profissão que o não tentava. A
mãe, Partênis, compreendeu o perigo e acedeu prontamente. Naqueles tempos
incertos, andava sempre preparada pra uma fuga precipitada. Tinha ricas
propriedades em uma da Cícladas. Fugiram os três ao cair da noite, numa galera
pilotada por um fenício hábil, cujos bons serviços foram comprados a peso de
ouro.
Depois que Partênis ficou
em segurança, Hermódamas dispôs-se a viajar com o discípulo. Este não se
satisfizera com os livros escritos pelos homens. Melhor era que corresse o
mundo e ouvisse a palavra dos sábios, para satisfazer a paixão intelectual que
lhe brilhava nos olhos negros e que dava às suas ações uma energia secreta.
CAPÍTULO IV
A primeira viagem foi à
vizinha ilha de Siros, onde vivia Ferécides, o filósofo que pregava a
mortalidade da alma e que era amigo de Hermódamas.
A pequena ilha era um
mimo de verdura sobre o mar azul. Para lá afluíam comerciantes do Egito, da
Fenícia e da Caldéia, atraídos por suas riquezas, mas Hermódamas apenas
procurava um sábio. Ansiava por que o jovem Pitágoras bebesse àquela fonte de
sabedoria.
Ferécides não estava em
casa. Encontraram-no no interior da ilha, examinando, com alguns discípulos,
uma caverna na qual pretendia fazer um relógio do sol. Párea ele a experiência
era simples e para os camponeses da ilha seria de imensa utilidade para que
pudessem contar as horas. Pitágoras encantou-se diante das explicações: um
ponteiro de ferro fixo, com sua sombra, iria marcando várias linhas, uma das
quais seria a meridiana. Os habitantes de Siros, na zona temperada
setentrional, teriam a sombra mais longa no solstício de inverno.
Pitágoras ouvia atento,
examinando a bela fisionomia do homem, ainda no vigor da idade, alto, másculo,
elegante mesmo, falando num tom de voz grave e sentenciosa. A túnica de alvo
linho estava gasta pelo uso, porém impoluta em sua brancura. Agora ele falava
sobre as pirâmides do Egito, considerando-as como prováveis heliotrópios,
destinados a marcar os pontos de solstício do sol. Com um ar risonho, Ferécides
explicava a Pitágoras:
– Não viajei ao Egito.
Vivo aqui metido na minha ilha, numa vida pacata. Nosso porto recebe centenas
de navios mercantes, vindos de todos os cantos da terra. Enquanto os meus
conterrâneos compram jóias e tecidos finos, eu compro as obras que encomendo
dos que se consagram aos estudos. É este o meu modo de viajar e de me instruir.
A boa gente de Siros olha-me como a um grande sábio. Em terra de cegos quem tem
um olho é rei...
A convite de Ferécides,
Hermódamas e Pitágoras aceitaram sua hospitalidade. A casa erguia-se no meio
dum belo jardim, porém primava pela simplicidade. No fundo da sala principal
ressaltava-se o altar dos deuses lares. O mobiliário constava do essencial. No
meio do teto um candelabro de terracota. Via-se que os habitantes daquela casa
se restringiam à satisfação das necessidades humanas, sem requinte algum de
luxo. Ferécides vivia com seu velho pai, um octogenário sacudido que ainda
puxava os bois da charrua pelos campos de cultura e que desprezava as riquezas
gracejando: “Os homens da cidade estão cheios de ouro e do supérfluo que vivem
aborrecidos, sem se decidirem sobre o prazer que hão de escolher. O meu filho
Ferécides vive querendo adivinhar o sistema do mundo. Zombo de todos! Nem a
riqueza nem a ciência podem me prolongar a vida, ao passo que a charrua
ajuda-me a ter o que comer, e o exercício ao ar livre me dá apetite. Creio que
eu sou o mais sábio...” E terminava a arenga com uma risada homérica, de homem
forte e sadio.
Pitágoras tudo apreciava
com enorme atenção. Sobre a mesa de madeira polida e brilhante um rapazote
serviu a ceia que constava de ovos cozidos sobre a cinza, cebolas, mel e frutas
variadas. Numa grande ânfora trouxa ele leite cru, ainda quente. Não faltou
também um vinho saboroso.
Foram dias calmos e
felizes os que Pitágoras passou em Siros: calmos porque não saiu do jardim de
seus novos amigos e felizes porque pode satisfazer sua paixão pelo saber,
ouvindo as doutrinas de Ferécides, durante horas e horas. Em sua memória
juvenil ia gravando aqueles ensinamentos que mais tarde haviam de frutificar
numa doutrina própria. Ferécides revelava-se um amigo da Razão, procurando a
Verdade na Natureza. A água é o elemento onde começou a vida O ar, ou Júpiter,
representa o princípio ativo. A terra é o princípio passivo. O fogo é o gênio
do mal. O Cosmos não passa dum grande campo de batalha onde lutam os elementos:
éter, água, ar, terra e fogo. A harmonia resultará duma trégua nesta luta, ou
melhor, dum equilíbrio entre estas forças. Assim também, a virtude é uma linha
de equilíbrio na luta entre o bem e o mal. Entretanto o movimento é a alma do
Universo. E assim como a Água é o elemento básico do mundo físico, o Amor é
básico no mundo moral. Este Princípio de Amor nunca morre, mesmo quando o
cadáver dum homem é queimado numa pira fúnebre ou jaz sobre uma fria lápide de
mármore...
Os olhos de Pitágoras se enchiam de luz.
Aquelas palavras eram a voz de seu próprio coração. Quando, com Hermódamas,
abandonou a ilha de Siros estava resolvido a alargar seus horizontes
intelectuais, seguindo o conselho de Ferécides que lhe tinha dito: “Se queres
aprender, viaja sozinho, a pé e lentamente, Volta sempre a um ponto que te
interesse. Procura passar despercebido. Sacrifica aos deuses do país onde
passas, para não escandalizares teus semelhantes. As viagens hão de te
preservar de te fechares no teu mundo interior. Procura conhecer os homens e as
coisas...”.
E como Hermódamas se
sentia cansado pela idade, Pitágoras resolveu prosseguir sozinho sua
peregrinação pelo mundo. Conhecera Ferécides de Siros. Queria agora conhecer
Tales de Mileto, Bias de Priena e Anaximandro, a conselho de seu preceptor. Antes de correr terras estranhas, deveria
ouvir as lições dos sábios da Grécia, posto que viajar pela Jônia fosse o mesmo
que viver em sua ilha de Samos, pois a religião e os costumes eram os mesmos.
Nas casas, o mesmo mobiliário, o mesmo altar em forma de forno ou de fogareiro,
reminiscência ainda do tempo em que era usado para cozinhas. Nas pessoas, o
mesmo traje: a capa ou o manto que constava dum pano quadrado, lançado para as
costas, passando uma ponta sobre o ombro esquerdo pendente sobre o peito. A
outra ponta passava por cima ou por baixo do braço direito, cruzava o peito e
ia até as costas, passando pelo ombro esquerdo. A parte superior era enfeitada
com bordados e a da inferior, que chegava até os joelhos, pendiam franjas ou
borlas, geralmente douradas. Os vestidos das mulheres apenas variavam com
túnicas mais graciosamente pregueadas, notando-se que as casadas vestiam
túnicas mais compridas. Para não arrastarem no chão, costumavam arregaçá-las,
prendendo-as ao cinturão dela finamente bordada. Naqueles climas felizes, onde
o exercício mental contribuía para o desenvolvimento dos corpos elegantes e
harmoniosos, a moda não precisava requintar-se para disfarças defeitos ou
aleijões. Assim como a arte grega se distinguia pela simplicidade eloqüente e
límpida, assim também os homens e as mulheres eram formosos em sua elegante
simplicidade. A própria religião, complicada por uma quantia enorme de deuses,
reduzia-se a preceitos morais, simples e fáceis de reter pelo povo, denotando
fina observação do homem e um elevado sentimento de liberdade e de igualdade.
Os gregos cresciam na convicção de que se fossem puros e úteis aos seus
semelhantes iriam, levados por Mercúrio, para o Eliseu, – as Ilhas dos
Bem-aventurados, onde vivem eternamente os filhos dos deuses e dos heróis. Entretanto, criam eles que havia uma
divindade a reger as vidas humanas. Era o Destino, deus cego e inexorável,
filho da Noite e do Caos, dominando os céus, a terra, o mar e os infernos. O
próprio Júpiter ou Zeus, o pai dos deuses, o mais poderoso de todos, não
poderia dobrar um decreto do Destino. Imaginavam eles que as leis do Destino
estavam escritas por toda a Eternidade e os deuses poderiam consultá-las. Os
ministros deste deus inexorável eram as três Parcas, executantes de suas
ordens, habitantes das regiões olímpicas, encarregadas não apenas de velar
sobre a sorte dos mortais, mas também sobre o movimento das esferas celestes e
a harmonia do Universo. É no seu magnífico palácio que os destinos dos homens
estão gravados sobre o bronze e o ferro, de modo que ninguém poderá apanhá-los.
CLOTO, vestida numa longa túnica de diversas cores, com um diadema de sete
estrelas, segura uma roca que desce do céu até a terra. LÁQUESIS, cuja túnica é
bordada de estrelas, põe o fio da vida no fuso e ÁTROPOS, a inflexível,
envelhecida, dura, sempre vestida de preto, lúgubre como a morte, encarrega-se
de cortar o fio quando chega o limite da duração da vida dum mortal. Nas
grandes festas em honra a Apolo, os gregos costumavam sacrificar às Parcas
várias ovelhinhas negras, procurando obter senão favores, ao menos
benevolência. Tudo isso era muito familiar ao jovem Pitágoras.
Para começar sua
peregrinação pela Jônia, – longe de Atenas, porém em tudo semelhante à matriz
que a doara com dons de civilização, – Pitágoras decidiu-se a visitar Éfeso. De
lá, seguiria a pé até Mileto, palmilhando as estradas ótimas e constantemente
transitadas pelas caravanas da Pérsia e da Caldéia. Ele não tinha pressa. Sua
finalidade era aprender. Dentro de seu espírito ia esboçando a base de sua
doutrina, parando pelos templos e ouvindo, paciente e atento, as lições que a
leitura de suas obras escritas em papiros indestrutíveis.
E numa bela manhã
ensolarada, Pitágoras aportou em Éfeso, na Jônia, na costa ocidental da Ásia
Menor. Aninhada nas colinas de Coressus e Prion, a cidade se estendia pela
planície afora, rica e muito visitada. Mais para dentro, já no meio da planura
coalhada de casas, pomares e jardins, por onde serpeavam as águas serenas do
rio Caisteno, o templo de Diana de Éfeso, célebre no mundo da época. Encantado,
Pitágoras hospedou-se na casa dum rico negociante, amigo de seu falecido pai e
homem muito considerado na cidade, muito culto e muito viajado.
CAPÍTULO V
Os primeiros dias foram
dedicados a visitar os monumentos da cidade entre os quais se destacavam o
Grande Teatro e a Agora magnífica, centro da cidade do povo. Esta praça
principal era toda cercada de pórticos sustentados por colunas de mármore em
estilo jônio, elegante e flexível, e, nas horas serenas da tarde, ali se reuniam
os magistrados para o exercício da justiça. No interior, templos, altares,
estátuas de deuses e dos homens notáveis de Éfeso, eram para Pitágoras como que
um livro aberto onde podia ler em detalhes a história e a vida da cidade. Numa
ala desta imensa praça, movimentavam-se os negociantes, mercadores e
compradores do mercado otimamente sortido com as mercadorias mais variadas. Lá
se encontrava de tudo, desde o fino leque de cabo de marfim todo trabalhado, ou
as preciosas essências do Oriente até as mais corriqueiras provisões de boca,
em feira enorme e movimentadíssima. À esquerda do Grande Teatro, erguia-se
imponente o edifício da Biblioteca. Pitágoras dividiu assim seu tempo: as
manhãs, para passeios, as tardes para leitura e as noites para conversas com
seu amabilíssimo anfitrião. Após a ceia farta, recostados nos leitos macios,
num ambiente de paz e de beleza, era agradabilíssimo palestrar. As horas fugiam
céleres como pássaros assustados.
A visita mais
interessante foi ao templo de Diana, ou Ártemis, como era mais conhecida em
Éfeso, da qual era padroeira. Contaram-lhe que os lelégios, gregos primitivos,
tinha o hábito de vir caçar nas montanhas da Jônia onde abundavam javalis e
veados. Numa destas caçadas, foram atacados por um javali enorme. Em perigo de
morte, os caçadores invocaram o auxílio de Diana e prometeram-lhe a cabeça da
fera, caso os livrasse de tão terrível transe. A deusa não falhou a invocação e
os lelégios cumpriram a promessa. Num olmo do bosque, ficou pendurada a enorme
cabeça, em ação de graças. Um dos caçadores esculpiu num tronco a imagem da
deusa, Virgem-Mãe de toda a natureza, símbolo do poder produtivo da terra. Os
caçadores voltaram frequentemente ao recinto sagrado e ergueram um pequeno
templo na planície: uma simples plataforma de xisto verde ao lado da árvore
sagrada, da imagem de madeira e do altar rústico onde lhe ofereciam em
sacrifício as primícias da terra, bois, carneiros e veados brancos. Em torno do
templo modestíssimo, foi nascendo a futura cidade de Éfeso, pois não tardaram a
construir cabanas por ali. A terra era fértil, o porto era hospitaleiro. Em
volta do olmo sagrado foi crescendo, dia a dia, o agrupamento humano. As
amazonas, habitantes da região, receberam bem os novos hóspedes da terra, pois
que elas também eram devotas de Ártemis cujo culto parecia ainda mais remoto
que as mais antigas das populações asiáticas.
Então, no tempo de
Pitágoras, estavam procedendo à construção dum templo magnífico, em estilo
egípcio. Todas as províncias da Ásia
contribuíram para o monumento em honra à dileta deusa olímpica, a rainha dos
bosques, virgem como minerva, sua irmã.
Baixos-relevos contavam a
história da deusa desde o nascimento. Viam-se sua mãe, Latona, – fugindo aos
ciúmes de Juno que a perseguia implacavelmente, pondo-lhe no encalço a serpente
Píton. Graças á bondade de Netuno, encontrava um refúgio: o deus do mar,
fustigado as águas com o tridente, fazia brotar do Oceano a ilha de Delos onde,
protegida contra o ódio de Juno, Latona deu à luz os dois filhos de Júpiter:
Apolo e Diana, irmãos gêmeos. Depois, via-se Júpiter colocando aos ombros da
filha, o arco e as flechas que a consagravam padroeira da floresta e dos
caçadores. Mais adiante, aparecia Diana com seu cortejo de sessenta ninfas, as
Oceânias e mais vinte, as Ásias, das quais exigia uma castidade absoluta, sob
pena de morte. Elas todas são lindas, porém nenhuma excede a deusa em formosura
e garbo. Como Apolo, seu irmão, Diana aparece com diferentes nomes: na terra é
Ártemis; no céu, é Febe ou a Lua; nos infernos é Hécate, maléfica, a empunhar
duas tochas. Quando Apolo, o Sol, desaparece no horizonte, Diana, a Lua,
resplandece nos céus apiedada pelas trevas misteriosas que envolvem a terra.
Apolo é cultuado pelos rapazes; Diana pelas moças.
Pitágoras continuava examinando
os baixos-relevos. Via agora a deusa, com uma expressão severa e cruel,
destruindo as colheitas e os rebanhos que a ofenderam. Surpreendida no banho
pelo caçador Acteon não hesita um instante: joga-lhe água, transformando-o num
veado que é imediatamente devorado pelos seus cães. Virgem implacável, Diana
conseguiu fugir aos encantos do Amor e apaixonou-se perdidamente pelo belo
Endimion, neto de Júpiter. Endimion conseguira do senhor do Olimpo um favor
singular: dormiria perpetuamente, numa caverna do Monte Latmos, na Caria, sem
nunca envelhecer, nem sofrer ou morrer. No baixo-relevo via-se Diana com o
formoso adormecido na gruta onde, todas as noites, ia para contemplá-lo. Mais
impressionante era sem dúvida alguma, a estatua da Diana de Éfeso. A deusa
parecia enfaixada. Na cabeça, como diadema, uma torre de vários andares. Em
ambos os braços, leões. Sobre o peito e o estômago. Uma infinidade de seios. No
resto do corpo, uma porção de animais de variadas espécies: bois, touros,
veados, esfinges, abelhas, insetos, etc... Viam-se mesmo algumas árvores e plantas, num
símbolo complicado da Natureza com seus inumeráveis produtos. Para a mente
evoluída de Pitágoras, aquela estátua não representava uma fantasia pueril de
artista supersticioso, mas, sim, uma imagem da Natureza, Virgem-Mãe de todas as
coisas, animadas e inanimadas.
Foi com bastante pesar
que Pitágoras abandonou as colinas de Éfeso, cobertas de olivais verdejantes e
risonhos, tomando a estrada de Priena, onde pretendia avistar-se com Bias, um dos
sete famosos sábios da Grécia. Em meio dia de caminhada a pé ia-se de Éfeso,
colônia marítima de Tebas. O rio Meandro alegrava com suas águas os arredores
da cidade espaçosa, erguida quase aos pés do Monte Mícale, às bordas do mar
Egeu.
Como cidade, Priena nada
oferecia de extraordinário, com a mesma topografia de todas as outras cidades
gregas: a Agora, o Teatro, a biblioteca, as casas dispostas em quarteirões em
ruas pavimentadas com blocos grandes de pedra, o porto, num canto protegido da
enseada, e, no sopé da acrópole, [15]
um templo dedicado a Demeter ou Ceres, que ensinou aos homens a arte de
cultivar a terra e à qual costumava sacrificarem de preferência porcos e fêmeas
de javali.
Desta vez Pitágoras
hospedou-se na chácara do sábio, cuja hospitalidade gozou durante vários dias,
compreendendo porque não era adorado em sua cidade de Priena. A seus estudos,
deviam uma rede de água e esgotos, que os tinha beneficiado enormemente. A suas
brilhantes defesas e acusações, sob o pórtico de mármore da Afora, muitos
prienenses deviam a liberdade ou a restauração de sua honra. À sua bolsa farta,
muitos estrangeiros aprisionados e vendidos como escravos pelos piratas do mar
deviam a vida e a volta aos pátrios lares. E os escravos em Priena, graças ao
exemplo de Bias, tinham uma vida tão boa como a dos homens livres,
facilitando-se-lhes os meios para comprarem a liberdade. Porque naquele mundo
de ferro, – entre as em nações dispersas desde as colunas de Hércules[16]
até as margens do rio Indo, na Ásia, desde as estepes da Cítia até o vale do
Nilo, [17] a
escravidão era de direito público. Constituía o alicerce da sociedade, sob o
qual se firmava a liberdade civil e política dos cidadãos. Todos consagravam a
Escravidão, de modo que era realmente um privilégio ser escravo em Priena.
Todas as religiões da Terra, todas as legislações e todas as filosofias davam
ao forte o direito de explorar o fraco, inconscientes de todos de que esta
moral primitiva era um ultraje aos direitos naturais pelos quais, desde então,
pugnavam os grandes espíritos, como Bias de Priena. Filósofos havia que
julgavam a escravidão como uma espécie de inovação filantrópica, isto é, o
vencido na guerra conservava o direito de viver, escravizado embora, em vez de
ser degolado. O fatalismo das religiões reinantes, que olhavam o Destino como
um deus inexorável, a reger a sorte dos mortais, fazia com que a história
humana fosse considerada como uma espécie de poema divino cujas peripécias já
estavam de antemão gravadas em bronze, no palácio das Parcas. E a escravidão
não foi apenas uma resultante da
guerra, mas também a causa de muitas
lutas, haja em vista a guerra entre gregos e troianos. A Bias de Priena
repugnava aquele tráfico de seres humanos que os fenícios faziam com a mesma
naturalidade com que negociavam sua púrpura os seus vinhos. E Pitágoras,
ouvindo as palavras de Bias, sentia todo o horror daquela situação: a
escravidão era um direito tão nobre como a guerra! Só havia um meio de elevar o
ser humano acima daquela condição humilhante e aceita pelas leis da época: era
criar na alma a certeza de sua espiritualidade. Os poderes humanos podiam
escravizar o corpo, porém o espírito era livre, eterno, imperecível...
A amizade entre o jovem
samiano e o sábio de Priena solidificou-se rapidamente, graças à comunhão de
gostos e sentimento. Pitágoras pode até gozar o privilégio de ler o manuscrito
do poema sobre a arte de ser feliz no qual o prienense vinha trabalhando havia
já algum tempo. Em sua memória prodigiosa ficaram gravados os ensinamentos
essenciais: “Para ter uma boa colheita, não é preciso que o lavrador penetre os
mistérios da Natureza. Que importa o que se passa sobrte nossas cabeças? Só nos
interessa o que nos toa de perto. Dize a verdade e pratica o bem, na medida de
tuas forças, se te preocupares com as ameaças dos deuses ou com suas possíveis
recompensas. Não supliques aos deuses a saúde! Sê sóbrio, metódico, trabalhador
e conquistarás por tri próprio o bem-estar de teu corpo. Não supliques aos
deuses riquezas! Trabalha para adquiri-las! A indigência não é maldição do
Destino e sim, um fruto amargo da preguiça...” Era admirável! Bias procurava
sacudir a indolência do espírito humano, teimoso em arrimar-se à cômoda muleta
da religião. E mais admirável ainda era que a gente de sua terra o ouvisse com
tanto carinho e veneração.
Quando passeavam juntos,
várias vezes Bias foi consultado por transeuntes. Um dia, um deles perguntou:
– Bias, explica-me: que
são os deuses?
O sábio sorriu e
respondeu:
– Pergunta a eles mesmos!
O ingênuo consulente
retrucou:
– Já lhes perguntei e não
me responderam.
Bias bateu no ombro, num
gesto paternal.
– Meu amigo, não posso
ter a pretensão de saber mais que os deuses.
Não havia ninguém capaz
de conversar tão bem como Bias. Era eloqüente espirituoso, sem ser mordaz.
Fazia gosto ouvi-lo contar as peripécias dum banquete que o rei Periandro,
tirano de Corinto e muito afamado pelos seus poemas, ofereceu aos sete sábios
da Grécia, sendo que o próprio rei mereceria um lugar entre os sábios.
Contava ele, com muita
graça, que a fama dos sete sábios tinha começado com uma trípode de ouro que um
pescador tinha colhido em sua rede. O precioso tripé foi levado a Delfos e a
pitonisa deu a sentença: “Deveriam oferecê-lo ao mais sábio dos gregos”. Perplexidade! Quem seria o mais sábio dos gregos?
Acabaram por enviar o tripé a TALES de Mileto que o mandou para PÍTACO de
Mitilena. Este por sua vez despachou-o para CLEÓBULO de Lindus, na ilha de
Rodes. Para encurtar a história, a áurea trípode seguiu para o sábio MÍSON, o
lavrador que vivia afastado em suas terras do Peloponeso, passou para QUÍLON na
Lacedemônia, foi descansar durante alguns dias nas mãos de SÓLON em Atenas e
rumou em longa viagem até Priena, para Bias que o despachou incontinenti para
TALES, ponto de partida deste curioso circuito que provara que a modéstia era
um complemento indispensável à sabedoria. Por decisão final da pitonisa, a
bendita trípode foi oferecida ao templo de Apolo Ismênio, em Tebas. Tudo
estaria muito bem e no melhor dos mundos se o fato não tivesse causado época em
toda a Grécia. Resultado: os sete sábios que fruíram o doce sossego da
mediocridade ficaram em foco. Os tiranos disputavam-no em suas cortes, tomando
ares protetores. Periandro de Corinto foi um deles. Não houve remédio senão
darem um passeio a Corinto para paparem um opíparo banquete saturando-se todos
rapidamente da vida luxuosa e inútil da corte. Alias o tirano Periandro
recebeu-os em seu palácio de verão, fora da cidade, depois de lhes ter
proporcionado o máximo conforto na viagem, honra lhe seja feita. À mesa, havia
outros pequenos régulos de cidades vizinhas, além do filósofo Anacársis que
viera da Cítia em visita a Sólon de Atenas, e o frígio[18]
Esopo cujas ironias e sarcasmos se disfarçavam em fábulas interessantes que
tinham os animais como protagonistas.
Tales estava dum mau
humor incrível. Irritava-o aquela situação de animal raro em exposição e
expandia-se em respostas mordazes. Um dos pretensiosos régulos perguntou-lhe:
– Dize-me, Tales, qual é
o pior entre os animais?
– Entre os selvagens, é
um déspota: entre os animais domésticos, é um adulador.
Esopo comentou irônico:
– Os sábios da Grécia
foram convidados como amigos e não como juízes do príncipe.
Tales contentou-se em
fulminá-lo com um olhar irritado. Porém o banquete correu sem incidentes,
terminando com uma longa discussão sobre qual seria a melhor forma de governo
para o povo. A conclusão geral foi que o indivíduo devia aprender a
contentar-se com pouco, de modo a não depender de ninguém, mas era duvidosa a
vantagem de se manter ambição no homem. Periandro suspirou:
– Ai! Se a paz reinasse
na terra e nos mares, o que seria das construções militares e navais? E o que
seria dos cozinheiros, se os homens reduzissem sua alimentação ao estritamente
necessário?
Era realmente um
problema! O banquete terminou com uma libação às Musas, e depois Periandro
continuou governando como muito bem entendeu. Não é com palavras que se
consegue doutrinar um tirano. Antes de seguirem para seus penates[19],
os sete sábios fizeram uma santa peregrinação a Delfos, ao templo de Apolo
Pítico. Bias concluiu sua longa narração:
– Meu caro Pitágoras,
cheguei à conclusão de que cada um deve viver por si. É absolutamente estúpido
querer-se reformar a humanidade. Só sou conselhos quando mos pedem, porém não
fujo de espalhar as poucas luzes que adquiri entre os que queiram aprender.
Amável e hospitaleiro,
Bias arranjou para Pitágoras um guia que o levasse a Mileto, onde tencionava
tomar umas lições com o celebrado Tales. Este guia era um moço, filho duma das
mais ricas famílias de Priena e um verdadeiro apaixonado pelo grande Tales. Na
curta jornada de Priena a Mileto os dois jovens conversaram incansavelmente.
CAPÍTULO VI
Naquele tempo, Mileto era
a rainha das cidades da Jônia: a maior, a mais rica, a de comércio mais intenso
e o maior centro cultural também. Sua topografia, perto da foz do rio Meandro,
prestava-se para o grande desenvolvimento a que atingiu. Pelo vale, ubérrimo[20],
passavam todas as caravanas que vinham da Frígia, carregadas de preciosas
mercadorias da remota Índia. Em Mileto havia quatro ótimos ancoradouros, de
modo que o porto podia abrigar uma quantidade incrível de galeras, trirremes e
embarcações de toda natureza. Para maior realce, em Mileto viviam três grandes
sábios: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Governava o importante centro
comercial o tirano Trasíbulo, que conseguira firmar paz com o rei da Lídia,
Alíates, de modo que, cessando a luta secular entre a Lídia e Mileto, havia
margem para fruírem as delícias da riqueza e da fartura.
Na acrópole[21]
de Mileto destacava-se o templo de Apolo Délfico, o mais importante da cidade,
porém a profusão de templos era o melhor atestado da opulência milesiana. A
Agora magnífica diferençava-se de sua congênere em Éfeso, pois os pórticos e os
grandes armazéns eram todos no severo e rígido estilo dórico.
Pitágoras não queria o burburinho
da cidade civilizada. A ele interessavam as lições do grande Tales cuja memória
havia de varar os séculos, imperecedoura. Seu celebro parecia realmente
enciclopédico: astrônomo, matemático, naturalista, Tales era também um político
habilíssimo. Sua fama tinha começado quando predisse uma eclipse do Sol,
enchendo de pasmo o mundo da época. Durante anos passados no Egito, Tales
aprofundou-se no estudo da Geometria,porém seu senso prático tinha o dom
precioso de por pos conhecimentos abstratos a serviço da utilidade pública.
Ensinou os marinheiros a avaliarem a distancia dum navio ao mar, desde que
conhecessem o comprimento e a altura da embarcação. Ensinou os arquitetos a
determinarem a altura duma pirâmide ou de qualquer edificação por meio do
comprimento de sua sombra. Com grande simplicidade ele criou uma lei de
proporcionalidade: “A sombra dum homem está para a altura da pirâmide”. O alcance prático dessa lei era suficiente para
dar a Teles a fama de que gozava, pois tinha lançado o fundamento dos métodos
de medida das alturas e distancias.
Entretanto, Tales, apesar
de ser capaz de prever um eclipse[22],
desconhecia que a nossa Terra é uma esfera, imaginando-a como um disco chato. O
mesmo pensava Anaxímenes, assegurando que o ar era a substância primária, a
fonte de todas as coisas. O ar expande-se com o calor e contrai-se com o frio.
Anaxímenes achava que estas mudanças de densidade é que ocasionaram tudo o que
existe. A Terra era um disco chato, flutuando no ar, - assim pensava ele.
Mas Anaximandro,
discípulo de Tales, não concordava com o mestre. Não! A Terra não podia ser um
disco chato! Observando os astros e o céu, Anaximandro tinha conseguido
verificar a obliqüidade da eclíptica e, depois de profundas lucubrações,
chegara à conclusão de que o Universo, ao início, devia ser uma enorme massa,
infinita, eterna e indestrutível. Esta massa imensa foi se desgastando e
formando corpos a parte, pela separação dos opostos. Dela saíra um fogo
central, formando-se o Sol, as estrelas e a Terra também. A Terra, portanto,
devia ter uma forma cilíndrica. Segundo sua opinião, a água era a fonte da
vida, – a água que o Sol lentamente foi evaporando, dando origem assim ao
elemento sólido. E o homem? Como teria
aparecido o homem? Anaximandro julgava que o Homem devia provir de alguma
espécie animal aquática, pois que, se fosse como é, não teria podido sobreviver
no ambiente daquelas eras primitivas.
Eram estes os assuntos
sobre os quais conversavam Pitágoras e seu guia, o jovem prienense, enquanto
jornadeavam a caminho de Mileto, costeando a praia.
À proporção que se
aproximavam da cidade, ia se tornando mais cerrada a massa de vivendas, das
chácaras e dos templos que marginavam a estrada. O espetáculo era magnífico.
Depois de deixar Pitágoras em casa de Tales, o prienense separou-se dele. O
sábio era um homem idoso, alto, espadaúdo, usando uma túnica de fino linho, não
gasta pelo uso, como era a de Ferécides de Syto. Tales era um cidadão rico, porém
sabia aproveitar dignamente sua situação favorecida. Trasíbulo, o tirano de
Mileto, tinha sido seu discípulo e procurava angariar-lhe as boas graças, mas
Tales era inflexível. Recusava terminantemente o convite para ir morar no
palácio do rei.
Pitágoras foi muito bem
recebido, na qualidade de enviado de Bias e de filho de Mnesarco e,
principalmente, por ter fugido da corte de Polícrates, tirano de Samos. Não
podia haver credencial melhor aos olhos do irascível Tales que detestava os
déspotas. O sábio de Mileto pôs-se inteiramente ao dispor do moço viajante.
Aliás, Tales nunca imaginou encontrar uma tão vasta cultura em tão jovem
celebro. Ele próprio levou o samiano à casa de Anaximandro e os três discutiram
longamente suas teorias sobre a evolução da vida e a formação do Universo.
Pitágoras, por enquanto, apenas argumentava com o que tinha aprendido nos
livros. Suas doutrinas próprias só se esboçariam mais tarde. Por enquanto, era
apenas um discípulo humilde e atento. Aquela sublime teoria do Infinito esboçada
por Anaximandro, enchia-o de entusiasmo. Ambos os sábios aconselharam a
Pitágoras que fosse ao Egito, o maior centro de cultura do mundo civilizado de
então. No Egito, ele poderia aprender muito mais. Pitágoras contou-lhes o
conselho recebido de Ferécides: devia viajar lentamente, sem pressa alguma,
parando nos pontos que julgasse interessante, meditando, ouvindo,
observando. Ele, de fato, tencionava ir
ao Egito, porém antes passaria pelas colônias gregas e feníceas.
De Mileto, Pitágoras
seguiu para Halicarnasso, lá chegando no dia da grande festa a Vênus, deusa do
Amor e da Beleza, a Afrodite tão venerada em toda a Grécia. A ela consagravam o
sexto dia da semana. [23]
Vênus era uma das mais
célebres divindades do Olimpo. Considerada como Mãe do Amor, gozou de incrível
popularidade entre os homens. Rodeada pela corte das Graças, dos Jogos e dos
Risos, ela simbolizada o prazer no seu mais amplo sentido. Os poetas contavam
que Vênus guardava no cinto um tesouro de encantos, de sorrisos feiticeiros, de
suspiros persuasivos, de silêncios expressivos e olhares eloqüentes. Mercúrio,
o deus ladrão por excelência e símbolo do Comércio um dia lhe roubou o precioso
cinto, causando um escândalo enorme no Olimpo...
O culto a Vênus assumia
todas as formas de superstição, desde as mais inocentes e ingênuas até as mais
impuras e licenciosas. Consagravam-lhe a rosa, a maçã, a romã, o mirto, o
cisne, o pardal e a pomba. As vítimas que lhe sacrificavam era o bode, o
varrão, a lebre e, raramente, animais grandes.
A festa de Vênus de
Halicarnasso era a maior do ano e marcava a chegada da primavera. Neste célebre
porto da Caria, esta festividade assumia um caráter licencioso. E profundamente
imoral que lembrava os cultos violentos
da pecadora Babilônia ou os sacrifícios de pudor feitos à Astartéia fenícea.
Sob os pórticos dóricos dos templos, Pitágoras assistiu a cenas que o
horrorizavam. O deboche e a prostituição encapavam-se sob uma forma religiosa
das mais repugnantes, nos bosques próximos à fonte de Sálmacis, cuja água límpida
e apetitosa encerrava os venenos perigosos de Cupido. Quando Pitágoras
conversou com um sacerdote dos templos de Afrodite, este alitarco, muito
convicto, defendeu aquela espécie de culto. A colônia dórica de Halicarnasso
tinha crescido rapidamente em população e em riqueza, sem invejosos e sem
rivais, graças àquelas festas às quais ocorriam estrangeiros endinheirados
vindos de toda a Ásia Menor. Afinal, afirmava o alitarco, era mais humana esta
política que as das conquistas por derramamento se sangue. Vênus era a maior
amiga da suave deusa da Paz, doce e benevolente, a levar na mão direita a
cornucópia da abundancia e, na esquerda, um ramo de oliveira. Aqueles
sacrifícios em efusão de sangue eram mais de acordo com a Natureza!...
Pitágoras não se demorou
na risonha Halicarnasso. Havia freqüentes barcos que navegavam para Cnidus, num
percurso de duas horas de viagem pelo golfo de Cós. No dia seguinte, o samiano
já se achava no antiqüíssimo porto de Caria onde, aliás, imperavam o vício e a
ociosidade como na vida fácil num porto ótimo em terra riquíssima. A riqueza é
quase sempre uma maldição.
Uma galera fenícea seguia
para o porto de Pafos, na Ilha de Chipre daí a dois dias. Ia em rota batida,
com um carregamento de tecidos de linho e cerâmica das Cícladas. Nela Pitágoras
tomou passagem.
CAPÍTULO
VII
A ilha de Chipre, Cipro
ou “Kithim” que os egípcios chamavam “Asi” é a maior do Mar Interior[24]
oriental. A bordo da galera, em longas palestras com os marinheiros fenícios,
Pitágoras ia colhendo detalhes sobre a história da ilha cujas florestas
magníficas abasteciam com madeiras preciosas o mercado externo e cujos olivais
forneciam o melhor azeite do mundo. A gente de Sídon orgulhava-se de ser
fundadora das primeiras colônias em Chipre. Naqueles tempos, entretanto, predominava
na ilha a influência grega. A língua mais falada era um dialeto grego, a par
dum dialeto fenício. Os egípcios que sempre tinham vivido metidos no seu vale
do Nilo, agora começavam a interessar-se por Cipro donde compravam as madeiras
e o cobre[25] para a
indústria e para a arte. Era a civilização egípcia tinha atingido tão grande
exuberância que extravasava do seu território confinado dum lado pelo deserto e
do outro lado pelo mar.
A padroeira de Chipre era
Afrodite, a deusa que ali nascera, da espuma do mar[26].
A ilha é atravessada por duas cadeias de montanhas paralelas no meio das quais
há ma planície de admirável fertilidade. As enchentes do rio Pediéos e seus afluentes
encarregavam-se de espalhar pelo solo o aluvião fertilizante. O clima ameno
tornava a ilha um ponto de atração. Muito próxima da Fenícia, seus portos,
aliás pouco abrigados, tinham um movimento enorme.
Pitágoras decidiu-se a
fazer uma pequena estação de repouso em Pafos, com a intenção de aperfeiçoar
seus conhecimentos os sobbre a língua egípcia antes de prosseguir viagem. O
idioma do Egito era bem difícil de ser dominado por um grego, mas não por um
paciente estudioso como era Pitágoras. O sacerdote do templo de Ísis, em cuja
casa ia hospedar-se, não se furtaria decerto a dar-lhe as desejadas lições.
Sinué, o grão-sacerdote
de Ísis, veio receber Pitágoras a bordo. Tinha sido muito amigo de seu pai, nos
tempos em que Mnesarco andava viajando como agora Pitágoras fazia. Era uma
figura de velho moreno cor de cobre, feições finas, dentadura perfeita, olhos
amendoados, estatura elevada, mãos de dedos longos e espirituais. Vestia-se à
egípcia, cabelos raspados bem rentes e sobre a cabeça uma tiara sacerdotal,
que, em casa, substituía pelo turbante de linho branco. O traje branco era comprido
e de mangas largas, com um gorjal[27]
onde luziam pedras simbólicas. O tipo de Sinué impressionou profundamente a
Pitágoras.
A casa ficava na
planície, a cerca de trinta estádios[28]
do mar. A distancia relativamente curta foi coberta por um passeio agradável
num caro grego, puxado por fogosa parelha. A cidade estendia-se do mar até bem
longe, pelo vale adentro. As montanhas orlavam o horizonte à direita e à
esquerda, cobertas cedros, ciprestes e pinheiros portentosos. Por todo lado
vivendas, alegres cercadas de pomares onde cresciam bananeiras, figueiras e
laranjais verdejantes. Ouvindo as exclamações entusiásticas de Pitágoras, Sinué
protestava: o clima da ilha não era tão bom como diziam... O calor era
insuportável no verão e as chuvas abundantes demais. Sentia-se que o egípcio sofria
de saudade da pátria cujo clima, aliás, desafiava a paciência humana. Cabras
pastavam pelas encostas distantes Sinué explicou ao visitante que o leite das
cabras era apreciadíssimo na ilha e para contrabalançar, queixou-se da
quantidade de cabras e gafanhotos que desciam das florestas. E suspirava,
descontente:
– A bela Afrodite poderia
ter escolhido um melhor lugar para seu nascimento...
Desabafava:
– O estado da política na
ilha é péssimo. Nove ou dez pequenos régulos[29]
tiranizavam a população, explorando os plebeus e impondo-lhes arbitrariedades.
As mulheres de Chipre são desprezíveis...
Pitágoras manteve-se
calado. A verdade é que tinha achado cidade de Pafos muito bonita, construída
em anfiteatro à borda do mar irrequieto e a posição da ilha era a mais
conveniente possível para servir de repouso aos navegadores de três mundos.
No decorrer de sua
estadia na casa de Sinué, Pitágoras teve ocasião de assistir a festa de Adônis
que, como em terra fenícea, era celebrada com grandes alardes na entrada da
primavera. O grão-sacerdote explicou: – Na Fenícia há um rio chamado Adônis,
que se colora de vermelho na primavera e no outono, impressionando
profundamente o povo que imagina que as águas alusionais estão carregadas de
sangue. E a região fica enlutada, enquanto a população chora a morte do
semideus Adônis.
A cidade de Pafos herdou
a cerimônia baseada na lenda do semideus, caçador das florestas do Líbano. Adônis,
célebre por sua beleza, inspirou uma violenta paixão na deusa Vênus. Um dia, um
javali feroz, – dizem que mandado pela deusa Diana que tinha ciúmes das
conquistas da deusa do Amor, – atacou e matou o belo caçador. Vênus correu
ansiosa para o amante moribundo, ferindo sua pele de cetim e leite nas sebes
espinhosas, mas suas lágrimas apaixonadas não puderam impedir que Mercúrio
viesse buscar a alma de Adônis. Levando-a para os sombrios domínios de Hades ou
Plutão. Vênus não se conformou com a separação. Tantas súplicas fez a Júpiter
para lhe ressuscitar o amante que o Pai dos deuses fez uma concessão: Adônis
passaria seis meses nos infernos e seis meses sobre a Terra. Na primavera a
gente de Pafos festejava-lhe a ressurreição e no triste outono chorava-lhe a
morte, lastimosamente.
Nesta lenda, Sinué
explicava a Pitágoras a alegoria: Adônis nada mais do que uma personificação da
natureza em suas diversas fases e sob aspectos diferentes. Na primavera é bela
e produtiva; no inverno parece morta, para depois ressurgir como mesmo
esplendor e fecundidade. Entretanto a ignorância e a superstição, aliada à
sensualidade, redundavam naquelas festas tão imorais como as que Pitágoras
tinha presenciado, com tanto horror, em Halicarnasso, sob a capa da religião, a
humanidade expandia seus instintos baixos.
E o espírito do culto à
Vênus é profundamente puro – afirmava o austero e culto Sinué, colocando nas
mãos de Pitágoras o livro das invocações, para que o discípulo de Hermódamas e Ferécides julgasse por si
próprio.
De posse do precioso
livro de invocações a Vênus, o samiano não sentiu o tempo passar. Concentrado
na leitura, não conseguia compreender como os atos religiosos eram tão
diferentes das sagradas palavras. Para que elevarem cem altares a Afrodite,
queimarem-lhe incenso e sacrificarem-lhe bodes e lebres?... Não seria melhor
que meditassem sobre aquelas invocações e compreendessem que a alma é uma luz
velada e que, se dela não cuidarmos, escurece e extingue-se? A alma precisa do
santo óleo da espiritualidade para brilhar como uma lâmpada imortal.
Entretanto, as Invocações eram bem explícitas:
“Ó Vênus! Teu nome é a
palavra mais sagrada no idioma dos dórios, pois que significa uma jovem virgem!
Ó Vênus Anadiômene! És
uma imagem do mundo que emergiu das águas, como tu emergiste do mar...
Ó Vênus! Representas o
óleo santo do Amor a vivificar a alma do Universo... Entre as divindades é como
o ouro entre os metais. A idade do amor é a idade de ouro da vida.
Ó Vênus Pantéia, deusa de
todas as perfeições, tu reapresentas o belo por excelência!...
Sinué e Pitágoras
comentaram longamente sobre aquelas invocações, chegando à conclusão de que, efetivamente,
era necessário medir a verdade de acordo com as inteligências. E esta verdade
deveria encerrar-se no coração do homem, não se revelando por palavras e sim,
por obras! E ambos, reverentemente, visitaram um dos altares da deusa do Amor e
da Beleza, levando-lhe incenso e flores. A uma lado do templo, Pitágoras
examinou o monte de oferendas que os fiéis deixavam para a deusa: havia
brinquedos que as noivas doavam na véspera do casamento; havia lâmpadas, jóias,
véus, espelhos, cabeleiras e até sandálias elegantes, presentes que escondiam
sempre algum pedido de felicidade em, amor. No momento em que lãs estavam,
assistiam a chegada de duas jovens cipriotas que traziam para a deusa uma
guirlanda de rosas. Depositaram o tributo nos degraus do altar, deram três
passos para trás e pararam. Com os dedos polegar e indicador da mão direita
jogaram à deusa um beijo, murmurando as palavras de praxe: “Nós a ti devotamos,
de corpo e alma”. E sairam as duas,
risonhas e animadas, cochichando segredinhos alegres. Sinué e Pitágoras também
saíram, porém o assunto deles era bem mais sério e mais profundo.
Havia um motivo para a
estadia de Pitágoras em Chipre, alem de seu interesse em aprender o idioma
egípcio. Tinha combinado com a mãe que para lá lhe enviasse mais moedas e mais
pedras preciosas com as quais Pitágoras is custeando suas despesas de viagem. A
provisão que trouxera da ilha de Melos estava quase esgotada. A Sinué ele
oferecera a última esmeralda das que tinha trazido, esculpidas pelas mãos
hábeis de Mnesarco. Porém o mensageiro de Partênis chegou e, com as moedas e
pedras preciosas, trouxe também notícias da família para Pitágoras. Partênis
participava ao filho que Hermódamas estava proibido de entrar em Samos, pois o
tirano Polícrates e não lhe perdoava aquela fuga que afastara de sua corte o
filho de grande Mnesarco. Polícrates fora obrigado a encomendar um novo sinete
a um outro artista e estava literalmente furioso.
Entre as dracmas e as
estáteras[30] de electro
e ouro figuravam uma moeda nova que chamou a atenção de Pitágoras. Em vez da
peculiar gravação dum touro, dum pássaro ou duma abelha, naquela peça de prata
estava gravada a cabeça da ninfa Aretusa, da célebre fonte de Ortígia, na
colônia grega de Siracusa, na longínqua Sicília. No reverso, a estranha moeda
representava um carro triunfal, com uma perfeição admirável Sinué explicou-lhe
que aquelas moedas de prata estavam começando a circular em Siracusa e, de lá,
pelo mundo todo, celebrizando a habilidade incomum dos siracusanos na cunhagem
de moedas. Numa delas, a mais perfeita, estava gravado num canto o nome do
moedeiro original, pois as moedas primavam pela ausência de inscrições. É
verdade que nas estáteras de Corinto, – onde aparecia o célebre cavalo alado,
Pégaso[31],
símbolo da inspiração poética, – havia gravada a inicial K, do nome da cidade e o Φ (phi) indicava, assim, como a gravação
duma foca, que a estátera[32]
fora cunhada na Focécia. Mas, em geral, estáteras, dracmas e tetradracmas não
traziam inscrição alguma.
Provido de recursos
financeiros, Pitágoras resolveu empreender uma excursão a Salamina, do outro
lado de Chipre, e, de lá, às cidades mais importantes da Fenícia. Arados,
Biblos, Sídon e Tiro. Em Tiro tomaria uma galera fenícia, rumando diretamente
para Canopos, uma das bocas no delta do Nilo. O ilustrado Sinué acompanhá-lo-ia
até Tiro onde possuía uma fábrica de tecidos de púrpura. Infelizmente, seus
deveres de grão-sacerdote de Ísis não lhe permitiam uma longa ausência, senão,
dizia ele, havia de ir com Pitágoras até o Egito.
CAPÍTULO VIII
O porto de Salamina na
costa meridional da ilha de Chipre oferecia um bom ancoradouro. Ali também se
notava a influência fenícia, tanto nos templos como na Ágora, mas senti-se
também a influência fenícia e egípcia, tanto na mistura dos cultos religiosos,
como na indumentária do povo e no estilo das moradias. Em Salamina, segunda
cidade da ilha de Chipre em importância, Pitágoras teve o horror de ver
praticado o sacrifício humano. Todos os anos era oferecida uma vítima humana no
altar de Zeus ou Júpiter, costume bárbaro que atestava a influência, pois um
grego jamais imolaria um homem ao Pai dos deuses.
O templo de Zeus, num
misto de estilo greco-egípcio, erguia-se no sopé da colina. Era o quinto dia da
semana[33] ,
no solstício de verão. Como o templo é o palácio onde mora o deus, representado
pelo seu ídolo, todo esplendor é pouco. A turba dos fiéis não tem ordem para
penetrar no santuário. Só de longe vislumbram o relicário da imagem sagrada, um
recinto fechado que recebe luz apenas por cima. Zeus estava representado por
uma estátua magnífica de ouro e de marfim. Sentado, sua cabeça quase tocava o
teto, tão grande ele era. Através das colunas, Pitágoras pode admirar o ídolo
magnífico. Na cabeça, tinha uma coroa feita dum ramo de oliveira. Na mão
esquerda, segurava um cetro onde estava pousada uma águia de bronze reluzente.
Ladeavam-no suas filhas, as Graças e as Heras. No trono, era belo o contraste
entre o ébano e o marfim. Pitágoras esperava que houvesse o costumeiro
sacrifício duma cabra, ou duma ovelha, ou dum touro branco de chifres dourados.
Ele e Sinué assistiam à cerimônia, de longe, no meio de devotos de Zeus. Chegou
primeiro o sacrificador, todo vestido de branco e com uma coroa feita dum ramo
de oliveira. Como sempre, seguiram-se os votos e as orações, com as oferendas
de farinha, sal e incenso. A influência dos cultos asiáticos fazia com que as
homenagens não parecessem completas sem efusão de sangue. Naquela tarde, em vez
de touro branco, apareceu como vítima um jovem de seus vinte a vinte e cinco
anos! O arauto ordenou silêncio. Os profanos foram afastados para uma religiosa
distância. Os sacerdotes atiraram sobre a vítima, que parecia estar em estado
sonambúlico, um punhado de cevada cozida, misturada com sal[34].
Depois desta consagração,
o padre provou o vinho e passou-o a seus acólitos que o beberam a pequenos
goles. O resto do cálice foi derramado
sobre a cabeça do jovem. Em seguida, ajoelharam-no diante do altar, enquanto os
sacrificadores acendiam o fogo votivo. Um deles, com gesto firme, ergueu o machado e degolou a vítima, de um só golpe. O
sangue foi colhido em t aças consagradas e o cadáver foi queimado em
holocausto, debaixo dum silencio religioso e opressivo. Petrificados de horror,
o samiano e o egípcio tiveram de assistir à cerimônia até o fim, pois seria um
desacato perigoso tentar varar a multidão para sair do templo. Aquela gente
prestava a Zeus, um culto parecido com o dos fenícios a seu deus Molóque, –
símbolo do Sol que vivifica. A única diferença é que à cerimônia não se seguiu
nenhuma orgia de bebedeiras e danças desenfreadas, como acontecia quando
ofereciam crianças em holocausto ao terrível Molóque, atirando-as em fornalhas
ardentes, próximas ao altar. Mesmo imoral, era preferível o culto licencioso a
Afrodite, Vênus, Erícina, Citeréia, Astartéia ou Milita, – nomes vários da
deusa da Beleza e do amor. Também pareceu muito estranho a Pitágoras que um
grupo de vendedores fenícios rodeassem os fiéis à saída do templo,
oferecendo-lhes pequenas miniaturas da imagem de Zeus e amuletos variados.
Sinué já conhecia este costume que se espalhava rapidamente pelas costas do
Mediterrâneo e do mar Egeu, dando um enorme lucro aos especuladores fenícios.
Os bétilos, - pedras sagradas, olhadas como a morada do deus, – eram vendidos
aos punhados, à guisa de amuletos.
Aquela cena indignou
Pitágoras, porém o sábio Sinué, mais experiente pela idade e pelo estudo,
defendeu os costumes e os deuses fenícios. Gente prática, não tinham eles
nenhum misticismo. A religião é como uma roupa que toma a forma de quem a
veste! O Baal fenício que correspondia ao Bel dos Caldeus e aos Zeus grego,
tinha de assumir um caráter fenício.
Esta individualidade chegava ao ponto de cada cidade fenícia ter o seu
Baal com uma fisionomia especial. O Malkarte ou Molóque da cidade de Tiro era
muito semelhante ao Hércules grego. A ele atribuíam todas as grandes
descobertas inclusive o alfabeto. Não! Pitágoras não devia fazer mau juízo dos
fenícios. Supersticiosos, acreditavam que o sacrifício duma vida humana faria
com que Zeus ou Baal alisasse as ondas do mar sobre as quais viviam muito mais
tempo do que em terra! Expostos a mil perigos, sentindo mais do que ninguém
como a vida passa depressa, entregavam-se ao culto licencioso de Astartéia, ou
Milita, ou Afrodite, ou Vênus, – que tudo era uma deusa só, – afundando-se na
orgia quando não afrontavam a morte. Um grego não poderia julgar um fenício por
seu padrão grego. Os fenícios eram rudes, de paixões violentas, e, portanto,
emprestavam a seus deuses os atributos que encontravam em si próprios.
Caminhado pelas ruas de
Salamina com seu jovem amigo, Sinué ia pensando alto. O grão-sacerdote de Ísis
estava convencido duma coisa: egípcios, caldeus e fenícios deviam ter uma mesma
origem, talvez uma misteriosa Poseidônis ou Atlântida, da qual falavam os
livros sagrados de Mênfis. Diziam os livros que na misteriosa ilha
desaparecida, os homens adoravam o Sol e a Lua e, práticos em artes mágicas,
sabiam magnetizar pedras transformando-as em poderosos amuletos... Todas as
religiões se igualam neste íntimo sentimento de que a alma humana não pode
perecer e que, portanto, deve existir um mundo de Além-Túmulo... O fenício não
dava para sonhador nem para poeta; deu para supersticioso! Quando olhava para o
céu, à procura da Estrela Polar, – que adorava porque o guiava em suas
peregrinações pelo mar, – não sentia a beleza magnífica da noite enluarada, mas
imaginava que do céu lhe poderia vir auxílio e assim criou sua Religião. Os
campos férteis, as árvores em flor, as montanhas cobertas de florestas, –
fontes de ganho! Pareciam-lhe morada de
divindades benfazejas... Onde estaria a verdade?... Nos templos de Ísis e
Osíris, ou nos templos de Zeus e de Hera (ou nos de Baal e Astartéia?), Sempre
o fogo sagrado do Espírito divino simbolizado pelo Sol, e a taça da Vida e do
Amor, simbolizada pela Lua...
Pitágoras ouvia o
solilóquio, quase balbuciado, do velho sábio grão-sacerdote de Ísis e
perguntava a si próprio: “Onde estará a verdade?...” E era para buscá-la que se
dirigia às terras do Egito.
Viajando pela Fenícia,
Pitágoras compreendeu ainda melhor a psicologia daquele povo essencialmente
navegador e negociante. A Fenícia se diria melhor uma série de portos
espalhados pelo mundo do que mesmo uma nação. O nome de heróis fenícios figura
constantemente na história dos primeiros tempos da Grécia, prova de que a
contribuição fenícia foi enorme para a civilização grega. Se os gregos beberam
sua Arte e sua Ciência no Egito e na Caldéia, foram os fenícios que os levaram
ao precioso manancial! Estranho destino o da Fenícia: sem nunca ter possuído
uma civilização própria, sem ter tido Arte sua oi Ciência, foi ela quem levou a
civilização aos pontos mais remotos da terra. Sua ação na história da
civilização do mundo foi a dum mero instrumento propagador, na qualidade de
navegadores e de negociante. Os fenícios foram quem ensinou a cerâmica egípcia
ou caldaica às populações primitivas do mar Egeu que constituíram, mais tarde,
a nação grega.
A situação topográfica da
Fenícia obrigou seu povo a ser navegador. A estreita faixa de terra espremida
entre a cadeia do Líbano e o mar não poderia conter a população fenícia se
estes não vivessem mais no mar do que em terra! Penhascos, vales estreitos e
colinas abruptas a buscarem o mar, torrentes formadas pelas neves que se
derretem, secas terríveis quando só fica água nos poços e cisternas, – isto é a
Fenícia. Ainda na galera que os conduzia a Arados, Pitágoras pode admirar as
florestas densas cobrindo as montanhas distantes... Era célebre o azeite
finíssimo e o precioso vinho da Fenícia. Ao longo do costão rochoso, de longe
em longe, se projetavam promontórios ou ilhas, formando portos naturais. Arados
estava construída sobre uma ilhota e tinha um aspecto “sui-generis” com suas casas
de oito andares, devido ao problema do espaço. E que lhe importava o espaço
exíguo, se o mar imenso lhes servia de morada? Arrojados, dobravam as colunas
de Hércules em busca do estanho das Cassitérides[35]
no mar Exterior onde só eles se aventuravam. Dum mar ainda mais distante e
misterioso[36] traziam
o âmbar precioso e raro. Tão grande coragem merecia que os fenícios crescessem
em prosperidade e riqueza.
Sinué explicava a
Pitágoras como os fenícios estavam se aproveitando da situação política do
mundo, naquele período em que os faraós egípcios estavam tentando estender seu
território pela conquista das terras vizinhas. As montanhas e o mar eram uma
fortaleza natural que protegia as ricas cidades fenícias contra a ambição dos
conquistadores. Enquanto as nações de Canaã serviam de campo de batalha, a
Fenícia enriquecia ainda mais, vendendo material para as máquinas de guerra e
provisões e mercadorias e tudo o mais, inclusive seus navios e seus
marinheiros! Por meio dum imposto pago ao governo egípcio, os mercadores
fenícios comerciavam livremente pelo vale do Nilo até os confins da Etiópia.
Enquanto o mundo civilizado gemia sob o jugo de tiranos ou invasões de
conquistadores, Sídon e Tiro aumentavam cada vez mais suas frotas e, com elas,
suas riquezas. Suas caravanas andavam por toda a parte. Sídon e Tiro eram
incontestavelmente as metrópoles comerciais daquele tempo! Devassando zonas
desconhecidas, desde que fossem ricas e exploráveis, o gênio comercial dos
fenícios fá deixava um entreposto que, com o tempo, ia se transformando numa
cidade importante. Porém, a maior dádiva que fizeram ao mundo, – assim dizia
Sinué – foi a simplificação dos complicados hieróglifos que constituíam a
escrita egípcia, transformando-os num alfabeto de uso ultra-prático, de enorme
alcance social. E, movida pela única preocupação de ter sinais para sua
escrituração mercantil, aquela gente dava à Ciência um meio de divulgação e
perpetuação. Era admirável! Dos 22 sinais fenícios, simplificação dos
hieróglifos, nascera o alfabeto grego. Sinué suspirava:
– É bem verdade que há
uma alma de bondade até nas coisas más... Avarentos, astutos e ambiciosos, os
fenícios prestam um grande serviço à Humanidade! Chegam a ponto de afundar os
seus navios quando percebem que uma embarcação os segue em suas misteriosas
rotas pelo mar!...
Apontando para o costão
fenício, Sinué comparava-o a um anfiteatro de verdura, desde o mar até os altos
cumes do Líbano. E não havia um só palmo de terra que não estivesse cultivado.
Nada como a paixão do ganho para incitar o homem ao trabalho...
Para Pitágoras, a chegada
em Arados foi uma experiência inesquecível. Na ilhota abrupta, um amontoamento
de casas pesadonas, notando-se nos edifícios, cisternas e lagares uma única
preocupação: a solidez. Os olhos do samiano em vão procuravam beleza naquela
arquitetura misturada. Havia construções talhadas na rocha viva, – blocos
enormes, gigantescos e brutais, desafiando o tempo... Alguns templos ostentavam
os belos tijolos esmaltados trazidos da Mesopotâmia e esculturas representando
o célebre touro alado com a cabeça de homem: majestoso, enorme, como que
montasse guarda à entrada.
A ilhota se erguia a uns
setenta estádios da costa e o problema do abastecimento de água era resolvido
por meio de cisternas onde se recolhiam as águas da chuva. No canal entre a
ilhota e a costa havia uma fonte de água doce, jorrando do fundo do mar. Esta
servia para abastecimento em tempo de guerra. Como retirariam eles a água?
Pitágoras pagou um bom preço para poder sentir à demonstração. Mergulhadores hábeis
deitavam ao mar um sino de chumbo, em cuja extremidade superior havia um
comprido tubo de couro. A boca do tubo
era aplicada ao orifício da fonte. A água, assim canalizada, subia pelo tubo
acima, pura e fresca, Em face da cidade de Arados, superlotada, na linha da
costa, estendia-se várias povoações, cheias de agitação e burburinho.
Se os fenícios não tinham
arquitetura, em compensação excediam-se nas artes industriais. Pitágoras
caminhava de surpresa em surpresa. As fábricas de vidro e faiança produziam
garrafas, púcaros e taças transparentes de linhas perfeitas e de colorido
harmonioso, incomparável. Nas encostas alpestres do Líbano, os ricos tinham
suas vivendas, fugindo ao bulício da zona fabril.
Depois duma certa estadia
em Arados, Sinué e Pitágoras desceram o costão numa velocidade trirreme e
rumaram para Biblos, ansioso por presenciarem a festa em honra de Adônis. Estas
festividades públicas representavam o melhor meio para se conhecer o povo e
seus costumes, e Pitágoras apreciava-as imensamente.
A grande entrada das
caravanas estava literalmente cheia pelo povaréu. Os dois viajantes puxaram
conversa com um modesto e ingênuo operário inquirindo sobre a festa de Adônis.
Quem era Adônis? Era um jovem príncipe, nascido nos confins da Arábia, belo como
os mais belos. Fugiu de sua terra e veio refugiar-se na corte de Biblos onde
foi muito bem recebido. A deusa Afrodite apaixonou-se por ele perdidamente,
esquecendo seu amor por Ares ou Marte, o deus da guerra. Este não perdoou a
traição de sua amada e, para vingar-se, mandou um javali feroz perseguir Adonis
quando este caçava nas florestas do Líbano. A fera feriu mortalmente o belo
caçador e Afrodite, desesperada, ainda tentou lavar as feridas do seu amado nas águas límpidas do
rio. Desde esta ocasião é que as águas costumam tingir-se de vermelho. O homem
simples estava convencido de que era devido ao sangue de Adônis que o rio se
tornava rubro. A cidade toda preparava-se para luto e lamentações. Pelas ruas,
as sacerdotisas batiam nos peitos, em sinal de grande angústia. Neste dia de
magia oficial, as sacerdotisas costumavam raspar a cabeleira ou a honra.
Algumas havia que preferiam o último alvitre...
O espetáculo da procissão
era realmente imponente. A grã-sacerdotisa de Afrodite abria o caminho, carregando
um simulacro do belo Adônis, seguida de perto por um cortejo de moças e
mulheres com cestas cheias de pirâmides de doces, ou cestas de frutas, ou
flores, ou turíbulos onde queimavam perfumes. Mais atrás, um andor carregado
também por mulheres. No andor. A bela imagem do semi-deus, deitado, pálido como
um legítimo cadáver. O cortejo fúnebre passeou pela borda domar, ao som de
hinos lamuriosos e ternos. Apagaram-se as tochas. Durante três horas fez-se um
silêncio pesado no meio das trevas. Afinal chegou-se a um hierofante[37]
armado dum archote duplo. Vinha correndo, esbaforido. Foi untado de óleo os
lábios dos fiéis ali pressentes e lhes dizia ao ouvido, muito em segredo: “Ele
ressuscitou...”
Então, a tristeza foi substituída
por uma alegria turbulenta espetaculosa. Dançaram, cantaram, banquetearam-se ao
som das flautas e das liras. Vararam a noite festejando. Excetuando a festa de
Adônis, pouco havia que ver na cidade que os fenícios chamaram de Gebel e os
gregos, de Biblos.
Sinué contou a Pitágoras
que Biblos se gabava de ser a cidade mais velha do mundo. Seus habitantes
julgavam que o deus El (o Sol) a tinha construído no começo das idades, um
pouco mais para o interior, afastada do mar. Gebel era a terra santa de Adônis,
cheia de templos e monumentos consagrados a este culto. A ela afluíam
peregrinos de toda a Síria. Nas cabeceiras do rio Adônis ficava o santuário
mais venerado dentre todos, cercado de altos rochedos. A doçura do ar e a
beleza da vegetação impunham, no espírito do povo uma sensação de serena
santidade. É fácil ser religioso quando a Natureza se expande em tão grande
beleza...
CAPÍTULO IX
Pitágoras não se lembrava
absolutamente de Sídon, a cidade fenícia onde tinha nascido. Sua curiosidade
para conhecer a velha metrópole que tinha sido a primeira capital da Fenícia
era enorme. É de supor que Sídon seja ainda mais velha do que Tiro, pois era
costume dar-se aos fenícios o nome genérico de sidonianos. Os tempos de seu
nascimento perdiam-se na penumbra da lenda que mostrava os primeiros habitantes
como pescares ou simples pastores. Sobre eles se impôs a influencia de
estrangeiros que a tradição diz, vagamente, terem vindo das costas do mar
Eritreu[38] talvez
que algum grupo desmembrado da velha Suméria[39]
onde se adotava o Sol como astro e como deus, adotando fórmulas de magia num
culto supersticioso. Sinué esboçava para Pitágoras as origens remotas desta
gente antiqüíssima, dizendo que, quando Tróia[40]
foi destruída pelos gregos, os sussmérios-acadianos há mais de 3.000 mil anos
já tinham uma civilização adiantadíssima, na costa do mar Eritreu. Donde tinha
vindo eles?... Era um mistério. Velhas tradições consideravam-nos como vindos
do Mar Cáspio ou do Mar Hircaniano, como o chamavam os asiáticos, mas ninguém
pudera penetrar nas trevas profundas de sua origem. Seriam eles os gigantes
cuja tradição permaneceu?... Havia em Sídon um túmulo multissecular onde estava
enterrado um desses antepassados de estatura quatro vezes acima do normal...
O fato é que estes
súmero-acadianos tinham vindo insuflar civilização e progresso naquelas aldeias
de pescadores que bordejavam as praias confinadas pelo Líbano; Do caldeamento
destas raças, nasceu a gente de Sídon e da Fenícia toda que, aliás, se resumia
numa cadeia de cidades isoladas entre si
pelo costão abrupto: Arados, Gebel que os gregos chamavam de Biblos, Berito,
Sídon, Tiro e Aco...[41]
Para Pitágoras era um
prazer a companhia do grão-sacerdote de Osíris que parecia uma enciclopédia
viva. Contava ele que a ente as Suméria tinha encontrado nas costas da Fenícia
umas populações turbulentas e bárbaras que podiam dividir-se em duas classes
distintas: os pescadores à borda do mar, vivendo de peixe quase exclusivamente
e os que viviam na montanha, pastores. A tradição dizia que estes montanheses
conheciam um fio produzido por uma lagarta[42],
mais precioso que a fibra produzida pelo linho. O curioso animal alimentava-se
exclusivamente das folhas das amoreiras tão profusas em Sídon. Sinué não
compreendia por que não tinha desenvolvido esta indústria antiqüíssima.
Pitágoras inquiriu se não seria o mesmo fio que a gente da ilha grega de Cós[43]
começava a tecer, negociando com vantagem o tecido. Sinué acenou
afirmativamente com a cabeça. Sim. Era isto mesmo! Porém em Sídon, os casulos
serviam apenas de divertimento para os meninos que se divertiam pelos bosques,
à cata das amoras saborosas. Era uma pena.
Com o mesmo encantamento
que Partênis tinha sentido há dezoito anos atrás, quando, com Mnesarco, tinha
vindo a Sídon a mandado do oráculo de Delfos, Pitágoras viu a velha metrópole
encarapitada na montanha e espreguiçando-se até a praia onde se estendia, na
face sul, num porto magnífico construído pelos egípcios. Havia mais de mil anos
que Sídon era uma cidade importante. Perdera sua qualidade de capital da
Fenícia, desde que os filisteus[44] a
tinham invadido e saqueado literalmente[45],
mas não perdera seu comércio intenso e refizera de todo suas riquezas
incontáveis. Os montanheses nunca mais se preocuparam com suas lagartas, porém
aprenderam a tecer o linho e o algodão com uma perfeição incrível.
Visitando as cidades e
suas indústrias, Pitágoras pode verificar que o grande poeta Homero não tinha
recorrido a exageros quando teceu justos elogios ao artífice fenício. Como eram
hábeis! Trabalhavam com perfeição tanto no cobre, como na madeira, na pedra, no
bronze, no barro ou nos teares! Não havia bronze melhor temperado que o
sidoniano!
O experiente Sinué sabia
enxergar o reverso da medalha e chamava a tenção do entusiasmado Pitágoras,
para o baixo nível moral da cidade cosmopolita onde desenvolviam todos os
cultos da terra, mas onde, em realidade, só se cultuava o indigno bezerro de
ouro! O sacerdote de Isis lembrava que, se Mercúrio[46] –
que os gregos conheciam por Hermes, que significa intérprete ou mensageiro, –
era o deus do Comércio que une os homens, também era uma divindade cheia de
defeitos! Entre estes defeitos ressaltavam-se a falta de escrúpulos e a mania
de roubar! Sinué afirmava sorrindo:
– O comércio enriquece as
cidades, porém é uma fonte de corrupção. A vontade e a capacidade de trabalho
geralmente amolecem quando mergulhadas no luxo e na comodidade... Sídon é
uma cidade aberta a todos os cultos...
Pitágoras gracejou:
– O senhor mesmo sempre
afirma que há uma alma de bondade nas coisas más!... Contentemo-nos em admirar
as belezas de Sídon, sem lhe considerarmos as falhas.
O grão-sacerdote retrucou
no mesmo tom:
– Vá lá, por esta vez.
Não me esqueço de que Pitágoras nasceu em Sídon.
As moralidades dos ricos
eram sempre cercadas por jardins e pomares de frutos saborosos: romã, laranja,
abricó, figo, ameixa e amora. Um dos produtos de exportação eram as frutas
secas. Uma das maiores riquezas era o cedro do Líbano. Não havia água encanada
como nas cidades gregas. No bairro dos ricos, havia um aqueduto para irrigação
dos pomares e jardins das residências de recreio das casas em estilo oriental.
No interior das residências ricas encerrava mobiliário dos mais variados em
estilo, trazidos de todas as partes do mundo. Pitágoras notava que o estilo
egípcio predominava com seus traços severos e simples. Outro hábito
interessante entre os potentados era o de finalizarem o jantar com uma sessão
de música que consistia em cânticos executados pelo “linus” – nome que os
fenícios davam a seus poetas-cantores.
Depois de tão longa
viagem, Pitágoras achou excelente o pão de Sídon, ao mesmo tempo leve e
nutritivo. O mais interessante, porém foi a visita que fez às fábricas de
vidro, a maior indústria sidoniana. Transparentes, coloridos, de formas
caprichosas, as taças, espelhos e garrafas mereciam realmente a fama de que
gozavam, como objetos de grande luxo. Entretanto, se fabricavam do bom e do
melhor, também tinham uma indústria de carregação, grosseira e mal feita.
Pitágoras soube que os fenícios tanto se preocupavam em negociar com os donos
de bolsas recheadas e de gosto requintado como os bárbaros habitantes da
longínqua Ibéria, da Itália e da Ligúria.[47]
Os sidonianos aprenderam a arte de trabalhar em vidro com os egípcios e, como
sempre, comercializaram a indústria, divulgando-a.
No caminho de Biblos para
Sídon, os dois viajantes tinham parado sete dias em Berito. [48] A
jornada fora feita por terra, contornando o mar, passando por um caminho cheio
de sepulturas fenícias; na rocha viva talhavam uma imagem grosseira do defunto,
com uma inscrição.
Abundavam vinhedos e
olivais. Sabiam conservar a uva e assim a exploravam. Berito surgiu dum dossel
de verdura franjado pelas ondas espumosas domar e apoiada nas montanhas donde
lhe descia a água, abundante e fresca.
Sinué estava agora com
pressa. Havia quase um mês que estavam jornadeando por terras da Fenícia e seu
filho o esperava em Tiro para decidirem um carregamento de púrpura encomendado
pelo rei da Lídia. Rumaram de barco para Tiro.
Pitágoras nunca viu outra
cidade que lhe parecesse mais imponente que a capital da Fenícia, construída
sobre uma rocha enorme e alcantilada que se projetava pelo mar adentro.
Semelhava um navio gigantesco, imóvel no meio das ondas irrequietas. Naquela
ocasião a grande metrópole gozava duma paz agravável e frutuosa, numa trégua
temporária aos assaltos costumeiros dos povos fortes da época, que invejavam a
riqueza incontável de seus bazares. Entretanto, a velha Tiro sempre se saía bem
das guerras a que era forçada, graças à sua privilegiada topografia e aos seus
recursos internos, podendo resistir a cercos demorados que acabavam por
desanimar os agressores. Nem mesmo os assírios, os guerreiros mais temíveis e
aguerridos da época, tinham podido submetê-la, mas davam-lhe longas temporadas
de angústia e sacrifícios.
Pitágoras teve uma desilusão
ao penetrar na cidade. Pareceu-lhe superpovoada e não lhe agradou a pressa dos
seus habitantes, ávidos de ganhos. Como sempre, Sinué fazia as honras da casa,
como se costumava dizer. Notava-se que o sacerdote de Ísis tinha uma certa
predileção por Tiro. Mas Pitágoras se impressionou particularmente com a
situação dos pescadores do marisco do qual os fenícios extraíam a púrpura, [49]
cuja cor se torna mais viva e mais brilhante ao contato da luz.
Estes mergulhadores
viviam num bairro à parte, miseráveis e sacrificados. Os Mariscos tinham de ser
apanhados vivos, pois assim davam uma cor mais forte, vermelha como o sangue ou
dum azul arroxeado como as pétalas das violetas. O bairro tinha um mau-cheiro
insuportável. Os ricos tinham o cuidado e morar bem longe daqueles lugares
infectos, onde os moluscos os enriqueciam à custa dos sacrifício dos
necessitados.
Apesar de muito bem
recomendado por Sinué, negociante de tecidos, os chefes das fabricas não
permitiram que Pitágoras os visse preparar a preciosa tintura, cujo segredo
mantinham ciosamente. O próprio Sinué apenas conjeturava como era preparada a
tintura do molusco, contentando-se em negociar o tecido que se tornara um
símbolo de riqueza e poder. Se dois homens fossem discursar perante o povo,
aquele que trajasse púrpura seria mais atendido. O monopólio da púrpura era a
maior fonte de renda da Fenícia. Pitágoras, portanto, teve de contentar-se em
examinar o molusco horroroso, de cabeça pequeníssima e pernas muito curtas,
morador duma concha muito feia, toda enrugada. Montões destas conchas iam se
acumulando nos arredores de Sídon e Tiro e Sinué predizia:
– Daqui a umas dezenas de
séculos estes montões de conchas vão se transformar em penhascos. [50]
Sinué contava a Pitágoras
que na ilha de Citera havia tanto daqueles moluscos e era tão intensa a
indústria fenícia da púrpura que os marinheiros a conheciam por ilha Purpréia. [51]
Quando viu Pitágoras afastar-se horrorizado daquele ambiente de sujeira e
odores fétidos próximo às grandes fábricas, o grão-sacerdote ralhou com ele.
Era mau aquele sentimento extremista! Afinal de contas aquele comércio era a
base da organização social da Fenícia! Era preciso que Pitágoras procurasse
achar a alma de bondade nas coisas más, e a alma de verdade nas coisas erradas!
Os fenícios, navegadores intemeratos e viajantes impertérritos, iam levando a
civilização aos pontos mais remotos do Mar Interior, colonizando-os graças aos
entrepostos comerciais que iam criando.
Pitágoras comentou
enojado:
– É uma gente que negocia
tudo!... Não posso esquecer que nosso grande poeta Homero, filho dum príncipe,
foi rapado por piratas fenícios e vendido como escravo.
Sinué respondeu
sorridente:
– Este é o reverso da
medalha. Enquanto você só se lembra de que os fenícios são ladrões de crianças,
eu os encaro como artífices habilíssimos, frugais, industriosos, trabalhadores
e, sobretudo, duma coragem sobre-humana... Roubam os incautos e enganam os
tolos! Um marinheiro fenício contou-me que, na Bética[52] a
prata existe numa abundancia tal que seus veios chegam a aparecer à flor da
terra. Os bárbaros de lá sabem o que fazer com este precioso metal. Será
injusto que os fenícios troquem a prata da Bética por mercadorias de pouco
valor? Contou-me o marinheiro que o piloto teve uma idéia: trocou a âncora de
chumbo dos barcos por outra de prata, aumentando assim o carregamento! E a
gente de Bética também sai ganhando, pois recebem objetos que lhes são muito
mais úteis que a prata que não sabem aproveitar!
E Pitágoras não teve
argumento para refutar esta lógica, mas continuou repugnado por aquele povo sem
sentimento patriótico ou religioso, – pois que a religião deles era mais
superstição e magia do que mesmo um culto, – dominado apenas pelo senso
comercial e industrial... Em Tiro, superpovoada, viam-se aquelas casas de
aspecto pouco agradável, com seis a oito andares. Todas iguais, sem belezas
arquitetônicas, no telhado um terraço onde costumavam fazer a refeição da
tarde. Os muros da cidade com cento e cinqüenta pés gregos[53]
de altura, constituíam-se de grandes blocos de pedra ligados por um cimento
branco, abrangendo um círculo de vinte estádios[54].
Construída sobre um rochedo, os jardins e pomares medram sobre a terra trazida
de longe, atestando a inteligência e o trabalho dos homens. No alto das
muralhas de defesa, Pitágoras estranhou a imobilidade dos que lhe pareceram
sentinelas, empunhando arcos e flechas. Explicaram-lhe que eram estátuas,
simbolizando as divindades tutelares do lugar, sempre de atalaia em proteção a
cidade.
As cisternas de Tiro são
profundíssimas, uma delas cavada a uns cinqüenta metros do mar. O abastecimento
de água para a cidade populosa representava um sério problema.
O traje das feníceas era
bem diferente da túnica elegante das gregas. Lembrava um camisolão que lhes ia
até os calcanhares. Quase todas usavam um colar que semelhava uma cobra. Aquela
jóia chamou a atenção de Pitágoras. A serpente unia a cauda à boca e pendia
sobre o colo das mulheres de Tiro, geralmente com um rubi pendente, à guisa de
fecho. Sinué encarregou-se de explicar-lhe o fato. O culto à serpente era
antiqüíssimo. Pitágoras o encontraria desde as remotas regiões da Índia, até o
Egito e a Grécia. Em Tiro, o noivo oferecia à sua amada o colar de serpente com
um rubi na boca, como um penhor de amor. Aliás, na Grécia, o deus Asclépios ou
Esculápio era representado no seu santuário em Epidauro[55],
sob a forma de uma serpente. Pitágoras devia saber que no santuário do deus da
Medicina e da Cirurgia criavam serpentes, pois o deus costumava aparecer sob
esta forma. Em Tiro havia um templo a
Asclépios onde o deus estava representado em mármore e ouro, tendo ao seu lado
a filha, a deusa Higéia[56]
que vela pela saúde dos mortais, ensinando-lhes remédios e alimentos
apropriados. Seguindo o costume grego de erguer os templos de Asclépios próximos
às fontes de águas termais, ou no alto
das montanhas, o santuário de Tiro era perto duma enorme cisterna. Ali também
afluíam doentes de toda parte e dotavam o costume de dormir no santuário (“incubatio”, donde vem a palavra
incubação), crentes de queo deus lhes daria uma receita em sonhos. As curas eram
profusas, a julgar pelo número de tábuas votivas onde os doentes curados
deixavam seu nome com uma descrição da moléstia debelada pela sabedoria de
Asclépios. Ao deus da Medicina era costume sacrificarem-se galos. O galo, a
serpente e a tartaruga eram símbolos da prudência e da vigilância necessárias
aos médicos. Aqueles colares das mulheres fenícias eram nada mais, nada menos
que um amuleto para preservá-las de doenças e perigos. Quando encontravam cobras
á beira dos rios, lagos, fontes ou cisternas, julgavam o repugnante réptil como
um espírito que tivesse tomado aquela forma.
Aliás, muitos heróis
gregos eram filhos da serpente! Quando um homem rico morria sem deixar
herdeiros, na caverna ou no poço onde guardava seus tesouros costumava aparecer
uma serpente, guardiã das riquezas. O espírito do morto tomava aquela forma
para defender seu ouro e suas pedrarias! Pelo menos foi essa a explicação que
uma mulher fenícia deu a Pitágoras quando este a interrogou, movido pela
curiosidade.
Em Tiro e nas outras
cidades fenícias, os sacrificadores eram sempre bons cozinheiros. Aquela gente
de espírito prático não havia de esperdiçar a carne das vítimas oferecidas aos
deuses! Transformavam-na em opíparos jantares.
O rei de Tiro naquele
tempo era Baal II, cuja corte vivia a vida de sempre: luxo, festas, prazeres.
Pitágoras preferiu manter-se incógnito e não visitar o rei. A ele interessava
muito mais os mitos e as idéias religiosas do povo.
Sinué aconselhou-o a
fazer a viagem ao Egito por terra, seguindo a rota das caravanas que vinham da
Gerra, na Caldéia, até Tiro, mas Pitágoras estava ansioso por chegar ao Egito e
preferiu lá entrar pelo braço Canópico [57] ,
descendo o rio até Náucratis, o porto que o faraó Amásis tinha franqueado aos
gregos. Seria uma viagem mais rápida e, portanto, mais confortável.
Sinué e Pitágoras
despediram-se em tiro e o grão-sacerdote deÍsis deu-lhe uma carta de
apresentação para o grão-sacerdote em Mênfis e para o capitão-da-guarda do
palácio do faraó. Era o mais que podia fazer. E já era muito!
CAPÍTULO X
Pitágoras travou uma
grande amizade com o piloto fenício da galera em que tinha embarcado. Zaru era
um sidoniano inteligente, filho dum mercador fenício e uma escrava grega,
mulher instruída que soube ajudar muito no desenvolvimento intelectual do
filho. O piloto Zaru unia as qualidades práticas da raça paterna aos atributos
de mais finos sentimentos peculiares à raça grega. Sentado à proa da galera,
nas horas mortas da noite serena, à luz baça duma lâmpada de azeite, vigiava a
rota de seu barco e lia, lia muito, quantos papiros pudesse obter, conhecendo
muito bem tanto os caracteres cuneiformes dos assíorios-babilônios, como os
hieróglifos egípcios que os fenícios tinham simplificado com tanto
discernimento que, daqueles sinais gráficos, os gregos tinham feito seu
alfabeto. Zaru era duma convivência agradabilíssima, especialmente para um
jovem estudioso e meditativo como Pitágoras. A viagem de Tiro ao braço Conópico
durou dez dias em rota batida, afastados da costa para conveniência da
navegação. Nem Pitágoras nem o mestre-piloto sentiram a monotonia das horas,
palestrando incansavelmente.
Zaru comentava que a
História da Humanidade era toda tecida em mistérios e lendas, mas que ele
estava convicto de que sob aquela capa nebulosa e imprecisa escondiam-se
realidades irrefutáveis. Não era apenas a Vontade Humana que dirigia a
Humanidade! Aquilo que os gregos chamavam de Destino e adoravam como um deus
cego e inexorável, filho da Noite e do Caos era a força que guiava os homens
para a Civilização e para o Progresso. A Religião era uma necessidade para o
Homem poder explicar o inexplicável e o mistério da vida favorecia o mistério
dos deuses. O sentimento religioso era um agente do Destino, freando as paixões
humanas... Os deuses nada mais são do que símbolos e os estudiosos que queiram
meditar sobre os mitos que parecem ingênuos, infantis ou absurdos à primeira
vista, descobrirão na Mitologia toda a Ciência concentrada... A cosmogonia[58]
ideada por Tales de Mileto, Anaximandro e outros está expressa na religião
através dos mitos! Zaru explicava: a massa infinita que Anaximandro tinha
imaginado como ponto originário do Universo construído em vários mundos, nada
mais era do que o Caos, a divindade rudimentar, porém capaz de fecundidade. Do
Caos nasceu a Noite, – a deusa do Destino, da Morte, do Sono, da Miséria e de
todo o mais que aflige e punge a Humanidade. Da noite, nasceram o Éter ou os
Céus e o Dia (em grego: Hemera), isto é, as trevas precederam a criação dos
céus e da luz. Uma força divina presidia a estas uniões e separações que iam
dando uma forma ao Caos indefinível. Eros, – o deus do Amor, – unia os
elementos simpáticos. Anteros, – a força que se lhe opunha, – separava os
elementos que se repeliam[59].
Pitágoras estava
interessadíssimo por aquelas interpretações. Interrogou:
– E a Terra?
– A Terra, que vocês
gregos chamam de Gaia, é a mãe universal de todos os seres e diz a religião que
ela nasceu imediatamente depois do Caos e desposou Urano os Céus, engendrando
deuses e gigantes, o bem e o mal, a virtude e o vício. Repara como a mitologia
se parece com a teoria de Anaximandro. Ela afirma que o Homem nasceu da Terra
embebida em água e esquentada pelos raios de Sol! Quando o homem morre, sua mãe
venerável recebe-o em seu seio. Entretanto, no Homem vibra a centelha imortal
do espírito, pois é um composto de matéria e força, ou melhor, corpo e alma, –
um complexo de todos os elementos que compõe o universo.
Sim! A Mitologia era uma
fonte para a Ciência e para a Filosofia, – afirmava Zaru. Antes de Zeus ou
Júpiter apareceu, – ele que é o Pai dos deuses, – foi preciso que a ordem
começasse a se impor ao Caos, que o dia se fizesse e que o Céu e a Terra se
unissem... Quando Pitágoras fosse estudar num templo egípcio, havia de ter uma
enorme surpresa encontraria na Mitologia do Egito os mesmos deuses que na dos
gregos, – apenas com nomes diferentes... A voz da Intuição é sempre a mesma em
todos os homens em todos os tempos! E esta voz atesta que a Vida é Imortal e
que se manifesta no Homem para levá-lo às grandes realizações que só o Espírito
pode engendrar! Zaru repetia:
– O que a religião chama
de Destino, creio eu que é apenas um programa de evolução, preestabelecido pela
Força que dirige o Universo.
– Mas de onde viemos nós,
os homens, e para onde vamos?
Zaru respondeu:
– Este enigma é insolúvel
e perturbador. Mesmo que alguém o possa solver com o sentimento, nunca saberá
exprimi-lo em palavras, ou demonstrá-lo pela compreensão. Viajei pelos quatro
cantos da terra. Conheço os iberos e os gregos, de pele branca e cabelos
escuros. Nas ilhas que se perdem no Mar Exterior[60],
muito além das colunas de Hércules[61],
vi homens de pele branca e cabelos claros como espigas douradas. Conheço a gente
do Egito, de pele cor de cobre e feições finas e já vi os líbios, tão negro
como o ébano... Quando eu era bem jovem acompanhei meu pai a uma viagem à
longínqua Sérica e à misteriosa Catai[62],
atravessando a Pérsia e a Índia através de mil e um perigos. Vi gente de todos
os tipos, até mesmo de pele amarela e olhos sumidos dentro de pálpebras
repuxadas, – raças das mais diversas possíveis. Mas creio firmemente que todas
tiveram uma origem comum que os sábios, com o correr dos séculos, hão de poder
provar cientificamente. A Humanidade é uma família que caminha, aparentemente
desunida, para destinos gloriosos de luz, de sabedoria e de fraternidade!
Baixando a voz e
espreitando para todos os lados, Zaru cochichou ao ouvido de Pitágoras:
– Tenho comigo um rolo de
papiro que trouxe da Índia. Conta coisas como estranhas, na língua deles, o
“sânscrito”, aliás, bastante semelhante à língua grega. Um sacerdote verteu-mo
para o fenício. Quer lê-lo?
Que pergunta! Os olhos de
Pitágoras fuzilavam de curiosidade. Zaru recomendava:
– Cuidado! Muito cuidado!
O mercador fenício que roubou este manuscrito escondendo-o dentro duma urna
funerária, foi misteriosa e tragicamente envenenado. Meu pai comprou todas as
mercadorias que o morto levava na caravana. Achei o manuscrito por acaso...
Ninguém sabe que está em meu poder. Sei bem que me arrisco a ter o mesmo
destino de meu patrício se descobrirem que tenho o precioso rolo...
Pitágoras estava
entusiasmado singularmente comovido. Mais ainda ficou quando, no secreto de seu
beliche, à luz duna lamparina de nafta, deu com um manuscrito onde havia várias
frases truncadas, carcomidas pelo tempo. Leu:
“Homem! Tu és eterno como
o Deus que te criou. Decaíste pelo Pecado. Tens de subir de novo, por teu
próprio esforço, impelido pela força de tua inteligência e pela pureza de teu
coração.
Não confundas as roupas
que te cobrem com o teu próprio corpo! Queres crer ou queres saber?...
A História de Humanidade
é um grãozinho de pó dentro da formidável História da Terra.
O que hoje é terra
outrora foram mares... E sobre os mares afloram o que resta de terras
desaparecidas. No grande mar que se estende ao ocidente da Índia, houve um país
enorme, agora subjacente nos abismos marinhos.
Ouve: a Eternidade não
tem pressa. A vida humana é menos que um momento dentro da vida infinita do
Cosmo...
A Humanidade é um ser
coletivo, em tudo semelhante a um indivíduo: primeiro desenvolve um corpo que
servirá depois para a manifestação das faculdades da alma e do espírito. Assim
como o corpo humano leva sete meses para sés formar, assim também a Humanidade
precisa passar por sete estágios até que chegue ao pleno desenvolvimento. Na
evolução embrionária do homem, cada mês da um aspecto especial ao corpo... Só
no quarto mês a forma humana fica bem delineada. No sétimo ficará perfeita e
para o oitavo e o nono mês apenas um trabalho de acabamento no seio maternal.
Quando fores ao templo de
Osíris, olha para o glifo[63]
egípcio que representa as raças! Na mão aberta, o dedo mínimo está diminuído de
metade. Abre os olhos e vê! Quatro raças já se desenvolveram, plenamente. Agora
começa a subir a quinta raça, a meio caminho de sua evolução...[64]
Dos vales da Índia, do
país dos Árias, saiu em ondas sucessivas, a quinta raça que está povoando o
mundo. O número sete é sagrado! Cada uma das sete raças há de se dividir em
sete sub-raças...
(Havia aqui uma enorme
lacuna)
O primeiro Adão, [65]
santo e perfeito, era como uma sombra que passa...
O segundo Adão andrógino
tinha em os dois sexos...
O terceiro Adão era o
Adão da terra... Houve então a separação de sexos, depois se passaram muitas e
muitas gerações... Ouve: a Eternidade não tem pressa! Ele já conhece o Bem e o
Mal, portanto merece o sofrimento... o Caos tornou-se o Cosmo; o Uno tornou-se
Múltiplo e dos seres simples saíram os seres compostos... Homem, tu és eterno
dentro da Eternidade da Vida! Homem, tua consciência jaz nas trevas da
ignorância e da animalidade...
Nova lacuna
O que escondes tu, ó
Noite impenetrável?... Quando os monstros anfíbios e as samambaias gigantescas
se expandiam nos climas quentes e úmidos de terras hoje desaparecidas pelo
fogo, os dragões perseguiam um Homem Gigantesco... Morcegos enormes eram
derribados pelo seu braço possante. O Gigante de pele escura e rosto chato
tinha três olhos: dois na testa mal definida e outro por trás da cabeça...[66]
Nova Lacuna
Que trazem estes doces
rubores da aurora do Dia ainda por nascer? O Homem é apenas uma etapa num
desenvolvimento que há de atingir a suprema manifestação do Espírito Imortal...
O Homem representa a etapa em que o Espírito e a Matéria lutam pela supremacia,
mas a vitória final há de ser do Espírito, – o Senhor da Vida e da Morte...
O Gigante aprendeu a
fazer o fogo e a usar o sílex. De nômade passou a sedentário, cultivando o
solo. Séculos e mais séculos de cultura resultaram nos cereais que hoje usamos:
trigo, aveia, cevada e milho... Cobriam-se dom peles de animais. Estas eram
quentes demais para certas regiões e, então, aprenderam a fiar e a tecer com
fibras vegetais... A vida sedentária foi reduzida a estatura dos gigantes com o
correr do tempo e... Os monumentos megalíticos são o que resta desta raça
ciclópica. Adoravam o Sol, fonte de vida e tiveram suas cidades nas ilhas do
Grande Mar, o maior de todos... Pelo fogo e pela sufocação foram eles
destruídos em massa. A grande serpente mexeu-se no coração da terra e a terra
tremeu, vomitando fogo e matérias incandescentes. Morreu a terceira raça porque
deu seu fruto...
O Mar Exterior é imenso e
tenebroso. Nas terras que banhava nasceu e cresceu a quarta Raça, a dos
Atlântidas, para lá das Colunas de Hércules. O Oceano é um rio imenso que
envolve o mundo terrestre. Filho do Céu e da Terra, o Oceano é o pai de todos
os seres. Os Atlântidas vieram do gigante Atlas, neto do Oceano. Atlas conhece
as profundezas do Mar[67] e
carrega as altas colunas que descansam nos báratros[68]
submarinos, sustentando o céu sobre a terra...
Se a terceira Raça foi destruída pelo
fogo, a quarta Raça foi devastada pela água. Terras que se racham e desmoronam
no mar, ondas imensas que cobrem as cidades, mares que abandonam seus leitos
cobrindo as terras e deixando atrás de si desertos de areia, – ó Atlântidas,
pagastes bem caro o crime de Prometeu!... [69]
Para teimasse em provar do fruto da Árvore da Ciência? As águas despencaram
sobre toda a terra... Pouco restou para que a Humanidade não desaparecesse da
face do mundo, mas era apenas um fim de ciclo. Novo dia surgiu depois da noite.
Os homens do passado deixaram um legado: o aço de Damasco, a púrpura de Tiro, o
vidro transparente de Sídon, a pedra de Mênfis que anestesia a dor dum
ferimento, o cimento que prende as muralhas ciclópicas[70] e
o preparo do papiro. Os Atlântidas trabalharam séculos e séculos para as raças
de hoje terem estas riquezas...
Estrangeiro que meditas
aos pés da Esfinge[71] e
das grandes pirâmides de Gizé, abre os olhos e vê! Onde está o deserto havia um
mar e à sua borda os atlântidas do Egito ergueram as pirâmides, antes que as
águas afogassem todos. Mas os dois monumentos tinham sido feitos para desafiar
os cataclismas e os séculos. Estrangeiro, abre os olhos e lê no Grande
Livro!...
UMA GRANDE LACUNA
A Humanidade que restou
depois das grandes águas continuou seguindo os Caminhos do Progresso. Umas
trilham o Caminho do Bem, pela Vontade, pela Sabedoria, pela Inteligência.
Outros seguem para a frente pelo Caminho do Mal, pela Imitação, pelo Medo e
pelo Ódio. Todos os caminhos levam para o Alto.
Que ficou das terras da
Atlântida? Apenas uma ilha enorme no meio do Oceano. E o que resta dela? Apenas
alguns picos que emergem em ilhas pequenas e alcantiladas. Assim passa e
desaparece a glória e a grandeza do homem...
Para lá do mar, em terras
do Ocidente, existe um resto da grande civilização que o dilúvio afogou. Esta
gente de pele vermelha são os Filhos do Sol[72] e
seu país é um paraíso de paz, de beleza e de prosperidade. Se o Faraó – o filho
do Sol – governa no Egito, é um filho do Sol que governa a gente vermelha dôo
extremo Ocidente. Eles são os irmãos dos egípcios, mas, segregados pelo oceano,
conservam-se mais puros. Como seus irmãos, os etruscos[73],
são hábeis na cerâmica. Os egípcios primitivos e os etruscos também eram atlântidas,
da sub-raça tolteca[74]...
A quarta sub-raça são os
turanianos[75], da
Caldéia antiqüíssima de antes do dilúvio. Deles restaram os ferozes assírios e
os babilônios orgulhosos que adoraram não apenas o Sol, mas toda a corte
celeste dos astros, criando a Astrologia...
...No templo do Sol
imperava a cor de ouro, no dia da Lua, a da prata. Os adeptos do planeta Vênus
usavam umas roupagens dum lindo azul bem claro. Os cabelos conhecem todos os
filhos do Sol: Vulcano[76],
Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. O templo do
Sol fica no centro rodeado pelo templo de seus filhos...
(Uma grande lacuna)
Da quinta sub-raça dos
atlântidas, – os semitas primitivos, de antes do dilúvio, – saiu a quinta
Raça. Lembra-te, discípulo, a Eternidade
não tem pressa! Um cortejo de cem mil anos não é nada para o Tempo que a Mente
Humana tenta limitar!...
...A quinta Raça tem a
pele da cor da Lua... Nos quatro vales da Índia formaram-se quatro sub-raças,
desenvolvendo-se lentamente no seio amante da Mãe-Natureza. Quando o fruto
amadureceu, podia ser servido em benefício da Evolução, e o Manu levou
quinhentas famílias selecionadas fazendo-as emigrar para as fraldas dos Montes
do Líbano. Nestes tempos remotos, as águas do Mar do Saara brincavam próximas
às pirâmides de Gizé. Nem todos os escolhidos chegaram à meta determinada.
Muitos foram ficando pelo caminho, de modo que oi elemento humano ia se
caldeando no cadinho das sociedades que passaram...
Mais trinta famílias
saíram dos vales da Índia costeando o imenso Mar de Gobi[77].
Estes ficaram puros e fiéis às leis de Manu. A Raça Ariana estava pronta para
entrar em ação, dando novas forças às velhas raças que morriam... E os arianos
forma lentamente povoando a Terra. As trevas e a morte rondavam a terra como
abutres... Massas de vapor e de nuvens envolviam a terra e escureciam o céu. O
mar subiu, a chuva despencou, os rios transbordaram, Poseidônis afundou no
abismo do oceano... Mas Manu protegia o seu povo na hora da desgraça! Nada
podia germinar na terra encharcada, mas o Grande Espírito velava pelo seu
tesouro. Durante 5 primaveras, 5 outonos, 5 invernos e 5 verões um grande calor
exumou os te4rrenos que o homem pode cultivar de novo...
A gente que vivia nos
quatro vales da Índia foi quem menos sofreu, pois o Grande Espírito velava pelo
filhinho ainda no berço. A língua que falavam era o “samskrta”, [78] a
língua perfeita. Estenderam-se por todo o continente e povoaram as ilhas do
Grande Mar do Oriente, o maior de todos os mares, vencendo os aborígines. E o
elemento humano ia se caldeando no cadinho das sociedades que passaram. Cava os
desertos da Ásia, ó Homem curioso, e verás surgirem as ruínas do Passado que
não volta. Seus templos são gigantescos e magníficos. A Raça Ariana é a filha
dileta do Grande Espírito. Ela vem povoando a Terra. Como tudo, tem de crescer,
viver e morrer...
E os séculos rolaram como
seixos com que brinca a correnteza. Em ondas sucessivas, a gente boa da quinta
Raça is deixando os quatro vales férteis da terra sagrada da Índia para
fortificar as raças velhas que morriam. Os semitas arianizados vivificaram os
gastos povos da Arábia e do Egito. Os arianos conquistaram e repovoaram a
Pérsia e a Mesopotâmia... Enquanto isto, no vale da Índia, isolado por
montanhas inexpugnáveis, cresciam os celtas que o Grande Espírito destinava
para encorajarem a poesia, a eloqüência, a pintura e a música. Eles emigraram
para sua missão, muito tempo depois que os iranianos tinham se estabelecido na
Pérsia. Seguiram pela fronteira setentrional do reino dos persas, caminhando
para as altas montanhas do Cáucaso, entre o mar de Hircânia e o Porto Euxino. [79] E
o Manu guiou-os na luta de conquista das tribos selvagens. Protegidos pelas
montanhas do Cáucaso, os celtas se avigoraram para a Grande Emigração pela
Frigia, pela Ásia Menor e por toda a costa do Mar Interior. Eram celtas os
pelasgos que a Grécia honra como de esplendida memória... Eram celtas os
troianos que a Mitologia apresenta como os protegidos de Vênus. Eram celtas os
que criaram a civilização da ilha de Creta... E os celtas, em levas sucessivas
foram descendo do Cáucaso e espalhando-se por todo o continente do Ereb...[80] E
os povos foram se caldeando no cadinho das sociedades que passaram...
Mais uma sub-raça ariana
se formava nos distantes e protegidos vales da Índia... Era a quinta sub-raça,
a dos teutões, fortes e resistentes, de estatura mais elevada que a dos celtas,
claros. Loiros, de olhos azuis. Emigraram primeiro para as bordas do mar da
Hircânia. Depois que estavam secos os pantanais do continente do Ereb, o Manu
os conduziu para lá. E porque habitaram a Germânia, são chamados teutões,
teutos ou germanos. Nas terras
remotas que o mundo desconhece eles estão crescendo em força e poder, à espera
de que chegue a hora de entrarem em
destaque no Palco da Vida dos Povos da Terra. Todas as raças têm uma missão a
cumprir. A Eternidade não tem pressa... Os povos vão se caldeando e povoando a
Terra. Ó sábio, abre os olhos e vê! Os homens são todos irmãos! A virtude e o
amor são os caminhos da Sabedoria e da Felicidade. Pela virtude e pelo amor hás
de desenvolver a vista espiritual e poderás contemplar a gloriosa visão que te
espera. Paz a todos os seres”
...............................................................
Lentamente, Pitágoras foi enrolando o precioso
manuscrito. Suas mãos não tremiam. De olhos no céu onde apareciam os primeiros
rubores da aurora, sua alma de inspirado banhava-se na luz divina daquelas
palavras abençoadas. Sim! Pela Virtude e pelo Amor, ele havia de desenvolver em
si próprio a vista espiritual porque ansiava pela contemplação da visão
gloriosa. E perdeu-se em profundo devaneio. Aquele desfiar de raças e sub-raças
deixava-o atordoado, mas aceitada “a priori” o parentesco da grande Família
Humana. Mas... e o elo entre estas múltiplas sub-raças que se misturavam!
Existiria um elo?... Talvez que Zaru soubesse...
Cansado, envolveu-se no
manto de pele de camelo, pois estava muito fresca a brisa matinal, e adormeceu
profundamente.
CAPÍTULO XI
Aquele era o último dia
de viagem. Já se delineava no horizonte o perfil distante duma cidade, –
Canopos, – à foz dos braços do Nilo. Pitágoras conversava com Zaru enquanto se
ocupavam com as manobras. Como seria
possível e explicável esta fraternidade entre os povos da terra? Existiria
realmente aquela gente vermelha, os Filhos do Sol que viviam nas terras do
Ocidente? Zaru hesitou, mas acabou por desabafar sem rebuços. Aquele jovem
samiano lhe inspirava absoluta confiança. Belo como Adonis, seus olhos negros
eram límpidos como um céu sem nuvens. Venceu o desejo de contar tudo o que
sabia. E sua confidência foi realmente assombrosa.
– Escute, amigo. Vou lhe
contar umas coisas que pouca gente sabe. Peço-lhe segredo absoluto. Entre nós,
navegantes fenícios, existe um pacto: ninguém deve conhecer ou sequer suspeitar
de nossas rotas pelo Grande mar do Ocidente! Se souberem que falei,
matar-me-ão. Pitágoras, existe realmente um Império maravilhoso, de gente de
pele vermelha, adoradores do Sol. Eu próprio estive numas grandes ilhas[81]
em busca de ouro e pedras preciosas. Fundeamos numa península[82]
onde vi coisas extraordinárias.
Baixou a voz, cauteloso:
– Aquela gente escreve!
Têm um alfabeto fonético! Contaram-me que são descendentes dum povo que veio do
Oriente.
Pitágoras arregalou os
olhos espanados:
– Será possível?!
– Ainda há mais! A língua
que eles falam perece-se extraordinariamente com o grego. E as 13 letras do
alfabeto maia têm uma relação muito clara com os hieróglifos egípcios
correspondentes! Pitágoras, estou firmemente convencido de que os dois
continentes tiveram ligação, em tempos remotíssimos e que os egípcios têm seus
irmãos naquelas longínquas plagas para lá do oceano. Os sacerdotes egípcios
sabem desta verdade, mas acham que a revelação não pode ser feita senão para os
iniciados. Meu pai tentou iniciar-se nos mistérios de Ísis, mas não resistiu às
provas. Ele me contava que os sacerdotes assim diziam: “É necessário medir a
verdade segundo as inteligências. Para aquele que sabe, a Ciência é uma força, a Lei é uma espada e o Silêncio é uma
armadura invencível...”.
Pitágoras disse:
– Pretendo iniciar-me nos
mistérios de Ísis, se é que poderei vencer as provas...
Zaru animou-o:
– Há de vencer,
Pitágoras. O oráculo de Delfos previu para você um destino de luz. Você é um
predestinado!
Os contornos das terras
distantes iam emergindo cada vez mais nítidos no horizonte. Zaru teve de deixar
seu jovem amigo para cuidar das manobras da galera e preparar tudo para a
próxima revista da carga, em Canopos. Antes de subirem para Náucratis, o porto
que o faraó Amácis tinha franqueado aos gregos, as galeras feníceas passavam
pelo fisco e pagavam imposto às autoridades egípcias que vigiavam a entrada do
braço Canópico onde havia permanentemente uma guarnição de guerreiros.
A emoção de Pitágoras era
indescritível ao aproximar-se das terras do Egito, o pai intelectual de toda a
Ciência contemporânea. Nos templos do vale do Nilo os estudiosos iam procurar a
Iniciação, isto é, a verdadeira sabedoria, disfarçada em mitos que os
hieróglifos tornavam ainda menos compreensíveis. Conforme Zaru tinha dito, os
sacerdotes davam ao povo uma instrução religiosa muito superficial,
apresentando-lhe imagens simbólicas e templos imponentes e impressionantes por
sua grandeza. Para o povo, bastava que a religião os ensinasse a serem bondosos
e honestos.
Zaru deu ao jovem samiano
um mapa do Egito que ele próprio tinha levantado no decorrer de suas viagens,
aconselhado a Pitágoras que, antes de se internar num templo para as provas e
para a Iniciação que durava muitos anos, fizesse uma excursão pelas cidades
principais, procurando enfronhar-se nos costumes daquele povo singular e
admirável. Pitágoras estava então com 18 anos e aquele passeio seria ótimo para
consolidar a maturidade de seu espírito, preparando-o para as provas que,
segundo contavam, eram duríssimas.
Enquanto a marinhagem se
agitava na azáfama dos preparativos para a chegada a Canopos, Pitágoras, no seu
cantinho favorito à popa, ia examinando o mapa que Zaru tinha traçado com
incrível habilidade, como digno aluno de Anaximandro de Mileto.
O Egito, – “Aigyptos” dos
gregos, significando o país escondido, – tinha o nome de Masr que lhe davam os
árabes e Mezraim que lhe davam os hebreus e ficava a N.E. do deserto da Líbia.
Se não fosse o Rio Nilo, aquelas terras seriam inabitáveis. Pitágoras olhava o
mapa: ao norte, o Mar Interior, a leste o Mar Vermelho, ao sul os paredões de
rocha que se estendem por toda a Núbia e a oeste o deserto da Líbia. O rio
misterioso entrava no solo do Egito jorrando duma garganta apertada. Ninguém
sabia donde ele vinha, para chegar tão pujante e caudaloso, como uma divindade
benfazeja, a espalhar a fertilidade por onde ia
passando.
Da zona do Delta, onde o
rio se lançava ao mar formando vários canais, era o que chamavam de BAIXO
EGITO, às bordas do Mar Interior. Zaru tinha assinalado como cidades
principais: Sais, Heliópolis, Pelúsia... Lentamente o Delta ia crescendo graças
aos depósitos de aluvião que o rio vinha trazendo inalteravelmente. A zona do
Delta era a mais rica de todo o Egito, graças à sua situação geográfica. No
solstício de verão começava o transbordamento do rio cujas águas fertilizavam
as terras arenosas.
Vem logo abaixo o MÉDIO
EGITO, onde ergue a célebre cidade de Mênfis, para onde Pitágoras se dirigia
decidido a internar-se no templo de Ísis para a Iniciação. Zaru tinha
assinalado os juncais de papiros, emoldurando o rio, onde os crocodilos
deslizavam pachorrentamente. O desenho duma barca a remo, trazendo na prova a
curva hierática duma estátua de Ísis denotava que o rio era muito navegado.
Mais abaixo ainda, o ALTO
EGITO, onde estava tebas, enorme, estendendo-se em ambas as margens do rio. De
Canopos a Tebas, um barco ia em oito dias de viagem! Era bem pequeno o território, berço de toda a
civilização, pensava Pitágoras.
Para o sul de Tebas
hecatômpila, – a cidade das cem portas, – estavam marcados os dois Colossos de
Mnemoli, estátuas com mais de 63 pés gregos[83],
talhadas num só bloco de pedra. Aliás, toda a Tebaida estava assinalada por
monumentos que Zaru tinha desenhado em miniatura: templos, esfinges e
pirâmides, não tão grandes como a de Gizé que lá se erguem desafiando o tempo,
Na cidade de Siena estava assinalada a primeira catarata. A um lado do mapa,
Zaru tinha feito um esquema bem interessante sobre o regime do Rio Nilo que, na
vazante aparecia reduzido á metade de sua largura habitual, com as águas
negras, representando a cor que lhes dá o limo. Depois, via-se o Nilo verde,
representando a cor das águas estagnadas e, depois dum período de 4 dias,
via-se o Nilo engrossado, pintado duma cor vermelha como se fosse sangue. Era o
indício do começo da inundação e o vermelho era das matérias fecundantes que
transformam a aridez em fertilidade. Do outro lado do mapa, uma representação
das três estações que reinam no Egito: quatro meses de semeadura e de
crescimento; quatro meses de colheita[84] e
quatro meses de completa inundação[85].
Realmente, toda a vida do povo egípcio passava-se em torno de seu rio, o Nilo,
que adoravam como um deus. Zaru tinha contado a Pitágoras que o povo egípcio
estava certo de que o Nilo, – imagem das águas dos céus onde flutuam as barcas
dos deuses, – descia da abóbada celeste. Suas inundações eram devidas às
lágrimas da deusa Ísis (a Lua), chorando seu esposo Osíris (o Sol) morto por
Set, o gênio do mal (a Noite).
Na outra face do mapa,
Zaru tinha marcado as produções vegetais do país: romãzeiras, tamareiras,
damasqueiros, figueiras e palmeiras, distinguindo-se a vegetação aquática,
verdadeiramente luxuriante, sobrepujando o utilíssimo papiro de tão variadas
aplicações e o lótus. O Desta era simbolizado por uma planta de papiro,
enquanto que a Tebaida o era pelo lótus. Nas águas do rio abundavam os
hipopótamos[86] e os
crocodilos. Entre as aves destacavam-se: íbis brancos e pretos, águias,
falcões, pombos e pelicanos que Zaru tinha desenhado em caprichosas miniaturas,
lembrando os hieróglifos. O peixe também não faltava. As terras do Egito nada
mais eram que um vasto oásis abençoado pelas águas ricas do Nilo. Pelo mapa,
Pitágoras deduzia que as condições do clima tinham feito dos egípcios um povo
exclusivamente agrícola, transformando-se numa espécie de celeiro do mundo. De
seus portos saiam barcos carregados de grãos para toda a parte. O trigo
abundava. A cevada era usada também no preparo da cerveja e os vinhedos do
Egito produziam ótimo vinho. No Delta, Zaru tinha assinalado extensos vinhais.
Havia abundancia de mel. Como animais domésticos, figuravam asnos, bois,
carneiros, cabras, porcos, cães, gatos, gansos e patos. Não falavam também
hienas, lobos e chacais que a imaginação mística do povo divinizava. Fabricavam
machados, armas e utensílios agrícolas de cobre e suas ligas. A lama do Nilo
era muito aproveitada para a cerâmica que atingira alto grau de perfeição.
Vidros, jóias e faianças também figuravam como produtos de exportação, primando
pela forma e pelo colorido. Assinaladas como produção mineral, havia pedras de
várias qualidades: calcários, dioritos e outros granitos. O negro diorito e o
granito vermelho eram muito empregados nos monumentos. O quartzito branco servia para estátuas e
sarcófagos. Além disso, o país possuía cristais de rocha, ametistas, feldspato
azul, ônix, granadas, turquesas e conalinas. O lápis-lazúli vinha da Pérsia.
Conheciam as estáteras e tinham suas moedas próprias, mas preferiam comerciar
por meio de permutas. Anéis de outro e prata circulavam à guisa de moeda. NO
precioso trabalho de Zaru também estava assinalado o sistema de pesos e medidas
usado no Egito. Era verdadeiramente admirável.
Lá figuram os
instrumentos de música: harpas, cítaras e flautas. E miniatura delicada e
perfeita, Zaru tinha desenhado a imagem dos principais deuses com o seguinte
título: “Divindades do povo mais religioso do mundo” [87].
Pitágoras observou o deus Amon, de Tebas, o Criador de todas as coisas,
representado com duas torres sobre a cabeça de carneiro. O deus Fta, de Mênfis,
era figurado por um escaravelho. O deus Rá, com cabeça de gavião, trazia sobre
o crânio uma serpente, símbolo da inteligência divina e da reencarnação. Lá
estava a tríade tão conhecida: Osíris, o Sol, emblema da força masculina,
empunhando as insígnias sagradas; Ísis, a Lua, personificação da Natureza-Mãe e
Hórus, o Sol-nascente, simbolizando a ressurreição.
Zaru não podia dar ao jovem
Pitágoras um presente mais precioso que aquele mapa! Em troca, o samiano deu ao
mestre-piloto uma linda ametista, na qual ele próprio tinha gravado uma galera,
como lembrança daquela inesquecível viagem de Tiro a Canopos, onde estava
acabando de aportar, desembarcando no burgo da entrada do império.
Pitágoras, emocionado,
finalmente descia em terras do Egito.
B I B L I O G R A F I A:
B I B L I O G R A F I A:
Enciclopédia Britânica.
GUSTAVE LE BOM: Les
Premières Civilisations.
FABRE d’OLIVET: La Langue Hebraïque Restituée.
MASPERO: Histoire
Ancienne de Peuples de l’Orient.
COMMELIN: Nouvelle Mythologie Greque et Romaine.
ONCKEN: História
Universal, Volumes I e IV.
SCHURE’: Os Grandes
Iniciados.
VAN DER BERG: Petite
Histoire des Grecs.
COMBES: La Grèce.
THEODORE PASCAL: La Sagesse Antique à Travers les
Ages.
W. SCOTT-ELLIOT:La Lemurie Perdue.
W. SCOTT-ELLIOT: História de los Atlantes.
BOSSUET: Discours sur l’Histoire Universalle.
JOSÉ ORTEGA y GASSET: Cantos y Cuentos del Antiguo Egipto.
NOTAS:
[1] Ilha próxima da costa ocidental da Ásia Menor, um pouco ao sul de Éfeso, afastada da praia cerca de 1,5km. Mencionada na Bíblia (At. 20.15). Paulo ali aportou em sua terceira viagem missionária. A ilha é montanhosa e esta sua característica explica o nome que tem (altura). Foi lugar de importância, que se tornou notável pelo culto prestado a Juno, como terra natal de Pitágoras e pelo fato de terem os gregos derrotado a armada persa (479 a.C.), nesse mesmo estreito onde Paulo passou.
[2]
Cambises, filho do grande Ciro, conquistou o Egito e parece que depois da
tolerância do começo, aborrecido com a rigidez e falta de confiança dos
egípcios, cometeu injustiças (Veit Valentin – História Universal, vol. 1). Foi
assassinado quando regressava do Egito por conspiradores de seu governo (Burns,
História da Civ. Ocid., vol. 1).
[3]
Juno, em grego Hera ,
irmã gêmea e esposa de Júpiter ou Zeus, o Pai dos deuses. Juno e Júpiter viviam
em constantes brigas, que não passam de alegorias. Juno representa a atmosfera
frequentemente carregada ou perturbada. Júpiter representa o éter puro, para
além das nuvens, onde a serenidade é permanente. Juno presidia aos casamentos.
Era venerada e temida. No 1º de cada mês, sacrificavam-lhe uma porca. (N.A.)
[4] O
deus supremo da mitologia romana (em grego, Zeus), que o povo de Listra supunha
ter descido do céu na pessoa de Barnabé. Listra – cidade da Licacônia, na
província romana da Galácia, onde e Paulo e Barnabé foram primeiramente
venerados como deuses e depois apedrejados pelo povo. (at. 14.12).
[5] Arte de
gravar em pedras preciosas. (N.A.)
[6] Casa de
banhos.
[7] A
primeira Olimpíada data do ano de 776, a. C. (n.A.)
[8] Plutarco conta este fato.(n.A.)
[9] Delos é
a menor das ilhas do arquipélago das Cícladas. (n.A.)
[10] Fonte
perto de Delfos, cujas águas eram reputadas como inspiradoras dos poetas.
(n.A.)
[11] Vento
forte.
[12]
Divindade que preside ao mar.
[13]
Foi, em tempos antigos, uma fortificada cidade da Fenícia, situada sobre uma
península rochosa, primitivamente uma ilha da parte oriental do Mediterrâneo,
colonizada pela gente de Sídon.
[14] O Mar
Interior é o Mediterrâneo. (n.A.)
[15]
Cidadela nas antigas cidades gregas, ao mesmo tempo uma fortaleza e um recinto
onde ficavam os principais templos. (n.A.).
[16]
Estreito de Gibraltar. (n.A.)
[17]
Regiões ao norte da Ásia e ao N. E. da Europa, onde corre o Danúbio, desde as
bordas do Mar Negro (Ponto-Euxino) até o Norte. (n.A.)
[18]
Individuo dos frígios, povo não helênico do ocidente da Ásia Menor, que
habitava o território da atual Turquia.
[19] A casa
paterna, a família.
[20]
Fecundo, abundante, farto.
[21]
Acrópole: a parte mais elevada das antigas cidades gregas que comportava a
cidadela e eventualmente santuários.
[22]
Tales de Mileto previu o eclipse do Sol no dia 28 de maio do ano 585 A.C., que
se deu no momento em que os lídios guerreavam com os medos. O pavor que os
soldados sentiam foi tal que os dois exércitos firmaram a paz. N.A.)
[23]
“Veneris dies”, dia de Vênus, sexta-feira. (n.A.).
[24] Mar
Mediterrâneo. (n.A.)
[25] O
cobre, em latim é “cyprium”, de Chipre, a ilha donde era extraído. (n.A.)
[26] A
palavra grega “Aphros” significa espuma. (n.A.)
[27] Parte
da armadura para a defesa do pescoço.
[28] O
estádio era uma medida grega equivalente a pouco mais de 40 metros. (n.A.)
[29] Pequeno
rei.
[30] A
estátera pesava cerca de 12 gramas. O electro era uma liga de ouro e prata à
qual os gregos chamavam “ouro branco”. (n.A.)
[31] Cavalo
alado da mitologia grega.
[32] Entre
os gregos o estatér era uma moeda de ouro.
[33]
Quinta-feira, “Jovis dies”, dia dedicado a Júpiter. (n.A.)
[34] Os
romanos, em vez de cevada cozida, faziam uma pasta de farinha de trigo e sal.
Em latim, esta pasta chamava “mola”, conde veio a palavra “imolar”, para
exprimir a consumação do sacrifício. (n.A.)
[35] As
Cassitérides são as atuais ilhas Sorlingas, na Inglaterra. Daí vem o nome de
cassiterita dado ao minério de estanho (SnO² – óxido de estanho). (n.A.).
[36] O Mar
Báltico. (n.A.)
[37]
Sacerdote que preside uma cerimônia.
[38] O mar
Eritreu é o atual Golfo Pérsico. (n.A.)
[39] Os
sumérios ou acados são antepassados dos antiqüíssimos caldeus. (n.A.)
[40]
Supõe-se que a queda de Tróia tenha sido no ano de 2000 A.C., mais ou menos.
(n.A.)
[41] Aco
mais tarde seria São João D’Acre. (n.A.)
[42] O bicho
da seda. (n.A.)
[43] A ilha
de Cós fica na costa sudoeste da Ásia Menor.(n.A.)
[44] Os
filisteus constituíam um povo não semita estabelecido no litoral da Palestina.
[45] Este
ataque dos filisteus a Sídon foi mais ou menos no ano de 1200 a.C. Da queda de
Sídon resultou a elevação de Tiro a metrópole, mantendo a hegemonia. (n.A.).
[46]
Mercúrio é o nome latino. Deriva da palavra “mercês” que significa mercadoria.
A ele era consagrada a 4ª feira: “Mercurii dies”. (n.A.)
[47] A
Ibéria é a Espanha de hoje. A Ligúria é a França meridional. A Itália é apenas
a península da Calábria atual. (n.A.)
[48] Hoje (Beyrouth) – Beiture. (n.A)
[49]
Extraíam a púrpura dum molusco gastrópode chamado murex. Hoje a púrpura é extraída da cochonilha que é um inseto
originário do México. (n.A.).
[50] Podem
ser vistos tais penhascos ainda hoje, nos arredores de Sídon. (n.A.)
[51] A
ilha de Citera, hoje Cerigo, está a N. O. da ilha de Creta. Na Antiguidade,
esta ilha foi consagrada a Vênus que os gregos chamavam Afrodite e os fenícios
Astartéia. (n.A.)
[52] A Bética é o sul da Espanha. (n.A.)
[53] O
pé grego, em Atenas, era de 316 mm. (n.A.)
[54] Cerca
de 1 km. (n.A.)
[55]
Epidauro é hoje uma simples aldeia, chamada Pidhavro. Na Grécia antiga foi uma
das principais cidades da Argólida, no golfo Salônico. Seu santuário ao deus
Asclépios era frequentadíssimo por doentes de todas as partes do mundo
civilizado. (n.A.)
[56] Higéia,
em grego, significa saúde. (n.A.).
[57] O rio
Nilo, ao desaguar no Mediterrâneo, forma vários braços no delta. O braço
ocidental era chamado Canópico e o porto à entrada era a cidade de Canopos.
Como todo porto de entrada, era bem fortificado. Mais t arde, fundou-se lá
perto a cidade de Alexandria. (n.A.).
[58]
Narrativa sobre a origem da formação do mundo, do Universo conhecido sob a
visão dos mitos.
[59] Em
Física, Eros será a coesão e Anteros, a repulsão, as duas forças que presidem a
formação dos corpos. (n.A).
[60] O mar
Exterior é o Oceano Atlântico. (n.A.)
[61]
Colunas de Hércules é o mesmo que Estreito de Gibraltar. A Mitologia contava
que Hércules tinha separado a Europa da África.
[62] Sérica
e Catai eram a atual China. (n.A.)
[63]
Pictograma gravado em pedra.
[64]
No Apocalipse, último livro da Bíblia, também há um símbolo das raças com os
sete reis, dos quais cinco já apareceram, um existe e o último está por vir;
segundo esta concepção, as duas grandes guerras do nosso século marcam o fim
duma raça e o reerguimento de outra.
[65] É o que
conta a Cabala. (n.A.)
[66] Dizem
que a glândula pineal é a reminiscência deste 3º olho desaparecido na espécie
humana. (n.A.).
[67]
Da Odisséia e Homero. (n.A.)
[68] O mesmo que abismo, precipício.
[69]
Prometeu é o deus do fogo, titã irmão de Atlas. É a personificação do gênio do
Homem. Conta a Mitologia que Prometeu fez um homem de barro e roubou o fogo do
céu para lhe dar alma. (n.A.)
[70]
Muralhas colossais.
[71] A
Esfinge, no antigo Egito, representada um mostro fabuloso com o corpo de um
leão alado era erguido próximo aos grandes santuários e túmulos.
[72] São os
Incas do Peru e da América Central que os espanhóis destruíram ou escravizaram
no século XVI da nossa era. (n.A.)
[73] Povo
que habitava a Itália e que foram influenciados culturalmente pelas colônias
gregas do sul da Itália.
[74] Povo
indígena pré-colombiano do altiplano central do México.
[75]
Turanianos formam um grupo de povos da Rússia meridional e do Turquestão, com traços mongólicos.
[76] Planeta
que se supunha existir, com órbita anterior a de Mercúrio.
[77] Hoje é
o deserto de Gobi, na Ásia Central. (n.A.)
[78]
Sânscrito, a língua que deu origem ou melhor, língua-chave de todas as línguas
que a Filologia classificou como indo-européia, entre as quais figuram o grego,
o latim e seus filhos. (n.A.)
[79] Mar da
Hircânia é o Mar Cáspio e o Ponto-Euximo é o Mar Negro. (n.A.)
[80] Dizem
os etimologistas que a palavra “Europa” vem de “Ereb”, palavra assíria que
significa poente ou oeste. (n.A.)
[81] Nas
Antilhas havia povos incas de adiantada civilização.
[82] A
península de Iucatã, onde viviam os maias.
[83] Mais de
dois metros de altura.
[84] Mais ou
menos de novembro a fevereiro.
[85] Mais ou
menos de março a junho.
[86] Ainda
no século XIII da nossa era, havia hipopótamos no Nilo. Hoje, nem crocodilos
há, devido à navegação a vapor.
[87] Foi
Heródoto quem, dois séculos depois de Pitágoras, chamou os egípcios de povo
mais religioso do mundo.
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