ISC - Idealizado em 1993, o Instituto Salerno-Chieus nasceu como organismo auxiliar do Colégio Dominique, instituição particular de ensino fundada em 1978, em Ubatuba - SP. Integrado ao espaço físico da escola, o ISC tem a tarefa de estimular a estruturação de diversos núcleos de fomento cultural e formação profissional, atuando como uma dinâmica incubadora de empreendimentos. O Secretário Executivo do ISC é o jornalista e ex-prefeito de Ubatuba Celso Teixeira Leite.
O Núcleo de Documentação Luiz Ernesto Kawall (Doc-LEK), coordenado pelo professor Arnaldo Chieus, organiza os documentos selecionados nos diversos núcleos do Instituto Salerno-Chieus (ISC). Seu objetivo é arquivar este patrimônio (fotos, vídeos, áudios, textos, desenhos, mapas), digitalizá-los e disponibilizá-los a estudantes, pesquisadores e visitantes. O Doc-LEK divulga, também, as ações do Colégio Dominique.

LEK - Luiz Ernesto Machado Kawall, jornalista e crítico de artes, é ativo colaborador do Instituto Salerno-Chieus (ISC) e do Colégio Dominique. É um dos fundadores do Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do Museu Caiçara de Ubatuba.

sábado, 29 de agosto de 2015

SAINT-EX

SAINT-EX não pousou no Itaguá, 
 ... mas riu no céu... E pedi perdão à Lucinha, no Carnaval... (p/ Rubem Braga)


Nos anos do trinta, como diria o Volpi, constava que Saint-Exupèry, aviador e escritor famoso, de mil aventuras pelo mundo, pousara com seu “Lacotère” avariado na praia do Cruzeiro, em Ubatuba. E que teria andado pela cidade, com os ubatubenses embasbacados, à roda... E, mais ainda, que também teria tomado um autêntico champagne francês com outros tripulantes no Hotel da Idalina Graça onde, certamente, teria contado e ouvido muitas histórias. Na roda, “seu” Filhinho, o já farmacêutico famoso e alguns caiçaras da sociedade local. O champanhe, segundo a história, veio do empório do Capitão Deolindo. 

Esse fato A Folha deu, numa 2ª feira, em 1966. Não com tanta riqueza de detalhes. 

 Eu andava como jornalista, em andanças entre SP e Rio, no jornal do Lacerda; a notícia me alertou, e isso despertou-me para a história desse fato pois, já tinha casa (no Sapé), aqui, - fazia festivais de viola, enfim, andava integrado com as gentes de Uba: e, como eu, não sabia! Mas que assunto! 

Enfim, puz-me a campo, recorrendo os jornais da época, deste São Paulo, até Paris (onde contei com ajuda do Reali Jr., então correspondente de “O Estado de S. Paulo”). E também às freiras dominicanas, como Irmã Rosa Maria freira desta irmandade católica que escreveu uma tese em francês, posteriormente publicada numa versão portuguesa, versando sobre episódios do famoso escritor/aviador. E outros, que bem conheciam a vida de Saint Ex, na palma da mão. Li vários livros sobre o famoso escritor, mas, nada: ninguém falava, nem ele, de sua desastrada viagem, em que “pousara” e “ficara” numa “noite de bebedeiras”, nesta lírica cidade litorânea no Brasil. 

Foi quando, em Santo Amaro, SP, andando atrás de fotógrafo alemão - que teria fotografado Saint-Ex, e seu avião, e curiosos, na praia do Cruzeiro, Ubatuba/SP... e deu “Bingo”. 

Achei o alemão, tinha casa nas Toninhas, fotografara o aviador francês do Lacotère, andara com eles e o grupo, até o Hotel Felipe... Saint-Ex tomara champanhe, sim, e contara histórias fantásticas de suas aventuras com os mouros na África, etc., etc. (ver “Correio Del Sur”, de Saint-Ex.). Melhor. “seu” Hans tinha as fotos, do aviador acidentado, o avião parado no meio das palmeiras da praia, os basbaques à roda... Noite toda. De manhãzinha, já consertado, o “Lacotère”, prosseguia sua viajem, até Buenos Aires. Ficou a estória de Saint-Exupèry, aqui em Ubatuba... Real, gostosa, inédita, lírica. Foi o que fiz. Reuni fotos e testemunhos, e contei a saga, de 1932 (queda no Itaguá, 1966, notícia na Folha, 1984, m/reportagem, página inteira, no “Jornal da Tarde”: “A incrível estória de sua passagem por Ubatuba”. Texto do colega, que me entrevistou: Edmar Pereira. 

No dia em que o texto saiu, era um sábado, 11.1.1986, comprei uns 20 exemplares, levando a reportagem, encimada por uma “janota” - Uma viagem imaginária aos amigos interessados: “seu” Filhinho, Pedro Paulo, Cícero Assunção, Arnaldo Chieus, Ney Martins, família Lindolfo, pois o avô do Julinho Cesar Mendes foi o primeiro a cercar o avião de Saint-Ex e posar, com outros caiçaras, que ninguém desmente: que repercussão! Jornais e revistas de França deram notas - será que Antoine de Saint-Exupèry desceu, mesmo, em Ubatuba? 

Mas aí é que eu mesmo pus fim à lendária viagem de Saint-Ex, aqui nestas paragens idílicas. Escutando a TV Globo, notícia do Rio: festival de aviadores do Lecotère e Varig (sucessora) no Rio, mais de 50 veteranos se encontravam na Capital federal para recordar e comemorar seus feitos... As viagens eram, num aviãozinho monomotor, de apenas 4 lugares, de Paris a Dakar. Depois faziam paradas em Recife, Salvador, Santos, Rio, Florianópolis e seguiam depois até Montevidéu, Buenos Aires para cruzarem os Andes até o Chile. Eles levavam correspondência, em viagem de ida e volta, naqueles anos 20/30/40. Não havia correio aéreo, ainda, em nenhuma das Américas. 

Pois bem, deu “Bingo” de novo! Telefonei a Globo, no Rio e também ao Luis Edgar de Andrade, jornalista, dileto amigo: ele localizara o chefão dos pilotos franceses, Gerard Felipe, que estaria morando Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Ele tinha falado à Globo recentemente. Telefonema decisivo: Gerard me desmentiu, quem caíra em Ubatuba, era Jean Antoine, e não Antoine de Saint-Exupèry... Houve engano do telegrafista, ou, de ubatubenses, açodados em noticiar um desastre e feito, certamente, históricos: Saint-Ex em Ubatuba, acidentado, passa a noite em hotelzinho local, com amigos e curiosos, tomando champanhe e contando estórias. Bem Saint-Ex. 

Pus a campo, orientado por Gerard, e dia seguinte, domingo, fui a Japeri, RJ, com Luiz Edgard de Andrade, pequena cidade fluminense; lá estava Jean Antoine, em pessoa, casado no Brasil, com uma bela mulher negra, Elizabeth. Entrevistei todo mundo... trouxe Jean Antoine e Elizabeth à Ubatuba, hospedados no Ubatuba Pálace Hotel. Deram volta pela cidade e foram homenageados pelo “Seu Filhinho, presentes este repórter, Jony e Pedro Paulo e demais ubatubenses. Eu regurgitava de contente, de terminar essa reportagem, que durara 20 e poucos anos. Fotos foram feitas e Filhinho e Jean Antoine se abraçaram cordialmente, em paz. Verdade restabelecida... É vero! 

Fim da estória: pedi perdão à Lucinha, no Carnaval”... 

Nesse dia da gloriosa reportagem no Jornal da Tarde, era um sábado: estava em Ubatuba, e, como disse, distribuí exemplares do jornal, aos amigos – Filhinho, Pedro Paulo, Jony, Arnaldo, irmãos Veloso (Hotel), Carlota, João T. Leite, Flávio Girão, Julinho Mendes, neto do “seu” Lindolfo e outros mais... um sucesso! 

Mas o jornalismo é feito de crenças e superstições, quando não com a ajuda do Espírito Santo (e eu tive muitas, toda a vida... graças a Deus, e, ao Santo Espírito). Foi assim: 

Passando pela Biblioteca Municipal, na Praça Treze de Maio, onde hoje está instalado o Memorial “Ciccillo Matarazzo”, dei de pronto com uma reportagem ilustrada, “A História da Aviação - Gastão Madeira”. Interessei-me. Muito bem armada, com texto e fotos de qualidade, terminava com toda a dramática história de Gastão Madeira, ubatubense de boa cepa, engenheiro, que teria descoberto “o vôo mais pesado que ar”, nos anos do século XIX, antes de Santos-Dumont. Vibrei! Que coincidência, que fecho bem valioso pra minha estória - de Saint-Ex, em Ubatuba, já desvendado: o inventor do avião não foi Santos-Dumont, foi Gastão Madeira. Tocado pelos espíritos, então, ali na Exposição, tão laboriosamente feita pela bibliotecária Lúcia Muniz de Souza - bolei publicar - outra vez, refundindo Saint-Ex (que não veio a Ubatuba, só em folclore...) e Gastão Madeira (mas Ubatuba é que o avião foi inventado...). Mas, tinha um porém: nunca soubera da existência de Gastão Madeira Sua história ali contada, era magistral... Lutou, lutou... Em S. Paulo, Rio, Estados Unidos... Mas não levou. Anos depois Santos-Dumont inventou o avião, em Paris - que se tornou o foco da aviação mundial. E veio a Lacotère, e veio Saint-Exupèry, enfim... Ubatuba, olvidada, esquecida O assunto bate, aqui, mas não vinga... Parece “mau-olhado”. Mas, o texto, eu criaria, e a foto do Gastão Madeira. Não tinha! ... Mas, estava ali, inteira, 2 colunas, no quadro da Exposição Santos-Dumont, tão laboriosamente organizada pela diligente diretora Lúcia Muniz de Souza!. Num átimo, retirei cuidadosamente a foto de Gastão Madeira, e roubei-a (para minhas reportagens futuras...). 

Deixei bilhete de “meã culpa” para a jovem diretora... que, dias depois, me telefonou. Eu a essa altura já estava em São Paulo. Se me lembro, disse mais ou menos, assim... 

“Luiz Ernesto Kawall, alô. Aqui é Lúcia Muniz de Souza, diretora da Biblioteca Municipal de Ubatuba. Belo papel o seu, de um ladrãozinho vulgar; ainda que seja, ou não, para as valiosas... reportagens. Lamento, conhecê-lo assim. Meus protestos em nome da Prefeitura!

X x X 

Espere aí... Engoli em seco a justa reprimenda. E guardei por quase meio século todo aquele palavreado da Lucinha, a humana, porém, severa servidora. Como veio a ser chamada depois, culta, emérita, um dos orgulhos da cidade. Nunca a encontrei após esse episódio, até ontem (12.2.1013), num baile popular da Escola de Samba do Itaguá, na Av. Capitão Felipe... Ela, bela, sambando, animadíssima. Eu, tentado sambar, aos 70.15 (como disse meu amigo Joelmir Betting, em S. Paulo, falecido há pouco: “LEK, você tem gás pra toda vida... Sua idade correta é 70.15, ok?”).

Eu não pensei duas vezes quando a Lucinha se apresentou, suada, quase sambando, na roda alegre, entre antigos e novos dançarinos do Itaguá:

-“Luiz Ernesto Kawall? Eu sou a Lucia Muniz de Souza”. 

“Ah, sei, você me deu uma bronca, roubei a foto do Madeira”. 

- “Isso mesmo, você lembra?!” 

- “Sim, Lucinha, me perdoe!” 

Nossos olhos se cruzaram... Na sorveteria, ao lado, amigos e familiares tomavam chopes e chopes. Quem viu eu me curvar, ao som repicado da Escola de Samba do Itaguá, frente àquela morena de olhos vivos e lindas pernas, não entendeu... Talvez a gente - ela e eu, eu e ela - não dois litigantes ou sambistas, mas os “eternos embolados” da vida, como disse Paulo Dantas. 

E Saint-Ex, pintando, divertindo, contando estórias fabulosas... Sorrindo, nos céus e nos céus azulados de Ubatuba, que não conheceu, infelizmente. 

 L. E. K. - S. P. 16.11.2013.

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