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LEK - Luiz Ernesto Machado Kawall, jornalista e crítico de artes, é ativo colaborador do Instituto Salerno-Chieus (ISC) e do Colégio Dominique. É um dos fundadores do Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do Museu Caiçara de Ubatuba.

sábado, 13 de agosto de 2016

SÃO GONÇALO

Arnaldo Chieus

Uma das mais tradicionais e populares festas de cunho religioso-folclórico é aquela destinada ao culto de São Gonçalo, tido como o padroeiro de violeiros e cantadores populares. Muito embora sua devoção tenha se disseminado largamente por todo o Brasil, suas raízes são tipicamente portuguesas e estão relacionadas às diversas crises da política social portuguesa desde a idade média até a fase inicial da colonização uma vez que “Portugal, desde os mais remotos tempos históricos, foi um país em crise de gente. As condições disgênicas da região de trânsito – pestes, epidemias, guerras – acrescidas das de meio físico em largos trechos desfavorável à vida humana e à estabilidade econômica – secas, terremotos, inundações – encarregavam-se de conservar a população rente com as necessidades nacionais”.¹

Muito embora Portugal fosse uma nação de formação católica com grande predomínio da Igreja sobre os destinos políticos de seu povo, as leis portuguesas refletiram o grave problema demográfico em sacrifício à própria ortodoxia romana. Isso provocou uma tolerância com toda a espécie de união que resultasse no aumento de gente o que se reflete tanto nas Ordenações Manuelinas quanto Filipinas. Os interesses pela procriação acabaram por abafar tanto os preceitos morais quanto os escrúpulos católicos de ortodoxia. E essa espécie de cristianismo popular tomou característicos quase pagãos de culto fálico. A eles se associaram todos os grande santos populares cultuados em Portugal a que se atribuíram a milagrosa intervenção em aproximar os sexos, em fecundar as mulheres, em proteger a maternidade: Santo Antonio, São João, São Gonçalo do Amarante, São Pedro, o Menino Jesus, Nossa Senhora do Ó, da Boa Hora, da Conceição, do Bom Sucesso, do Bom Parto. 

Na axiologia do catolicismo colonial existem dois São Gonçalo: o dominicano português de Amarante (1187-1259), canonizado pelo papa Julio III em 1261, um santo português por excelência, e o São Gonçalo Garcia, santo jesuíta, martirizado no Japão no século XVI e que teve sua igreja erguida pelos mesmos jesuítas em 1756, no local da atual igreja de São Gonçalo, na Praça João Mendes, em São Paulo, no antigo Campo de São Gonçalo. 

O santo dominicano português “quando vivo assistiu em Amarante, Portugal. Nesse tempo seria o lugar simples nucleou populacional de modesta gente aldeã. Casais se formavam ali, impulsionados pelo natural apelo do sexo, esquecidos os sacramentos da Igreja. Isso desaquietava o espírito religiosos do futuro santo, que passou a patrocinar a bênção sacerdotal de uniões antigas feitas sem a prévia passagem pelo altar. Os amancebados que, por interferência do piedoso lusitano, sacramentavam o estado de vida marital eram geralmente criaturas de idade alta. Daí, certamente, a crença de que ele, falecido sob halos de santidade, continuaria no céu como generoso deligenciador de casamentos do mulherio idoso. Bem conhecida é, de Norte a Sul, a quadrinha que assim indaga:

São Gonçalo d’Amarante, 
Casamenteiro das velhas: 
Por que não casaste as moças, 
Que mal fizeram elas? 

Hoje, o santo já não tem a parcialidade de outrora e intercede por suas devotas em geral, desatento àquele antigo princípio ou critério cronológico. Basta o fervor suplicante das mulheres, que aliás chega às vezes a extremos, como se depreende destes versos correntes em Ubatuba (SP):

 São Gonçalo eu lhe juro 
Se esse moço me querê, 
De joelhos pelo chão 
Eu hei de lhe agradecer.²

São Gonçalo do Amarante, o santo português, não tem igreja em São Paulo. Mas, em compensação, caiu no gosto popular já que todas as imagens encontradas o representam como padre dominicano com escapulário e capa ou, mais recentemente, com viola.³ 

O culto a São Gonçalo, no Brasil, foi posto em prática desde os tempos de descobrimento já que o santo era bastante cultuado em Portugal. Geraldo Brandão reflete sobre o momento histórico vivido pelos portugueses: as grandes navegações afastavam os homens de suas mulheres, noivas, namoradas, mantendo-os longe por demorado período de tempo. Muitos não regressavam, vítimas de naufrágios, doenças em alto mar. O culto a um santo casamenteiro respondia as necessidades dessas mulheres angustiadas e ansiosas pelo retorno do amado. Facilmente a ele se entregavam pois- quem sabe? – seria a solução de seus problemas. 

Essa devoção é muito popular por todo o Brasil em virtude da devoção e culto a ele prestado por violeiros e cantadores que o tem por seu padroeiro, sendo o seu culto ligado às práticas mais livres e sensuais. Atribuem-lhe a especialidade de arrumar marido ou amante para as velhas com a São Pedro a de casar as viúvas. Mas quase todos os amorosos recorrem a São Gonçalo:

“Casai-me, casai-me, 
São Gonçalinho, 
Que hei de rezar-vos, 
Amigo santinho.”

Exceção só das moças: 

“São Gonçalo do Amarante, 
Casamenteiro das velhas, 
Por que não casais as moças? 
Que mal vos fizeram elas?” 

“Gente estéril, maninha, impotente, é a São Gonçalo que se agarra nas últimas esperanças. Antigamente no dia da sua festa dançava-se dentro das igrejas – costume que de Portugal comunicou-se ao Brasil. Danço-se e namorou-se muito nas igrejas coloniais do Brasil. Representaram-se comédias de amor. Numa de suas pastorais, recomendava-se em 1726 aos padres de Pernambuco Dom Frei José Fialho, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo de Olinda; ‘não consintão que se fação comedias, colloquios, representações nem bailes dentro de alguma Egreja, capella, ou seus adros.’ Isto em princípios do século XVIII.” (Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre, p. 246, 247). 

As danças e cantos a São Gonçalo sempre tiveram um caráter muito livre, a estas se ligando até práticas e cantigas sensuais. Em Portugal, na região de Amarante, a partir da devoção que atraia grande número de romeiros acompanhados de poetas do povo, seu “culto efetivou-se com danças e cantos de caráter muito livre, dentro da igreja, em frente ao altar. Tais eram, entre outros, a distribuição de pãezinhos em forma de falo, chamado ‘phallus de São Gonçalo’, que as mulheres levavam para casa na suposição de que proporcionariam o almejado matrimônio. Apregoava-se, na porta da igreja, para serem vendidos, rosários fálicos ou falos avulsos, feitos de massa doce.” 

Na Bahia dançava-se dia de São Gonçalo não só no Convento do Desterro como na Ermida de Nazaré, na Igreja de São Domingos, na do Amparo em várias outras. Só em 1817 os cônegos proibiram tais danças porque os europeus as censuravam como uma indecência indígena do templo de Deus. 

Maria Isaura Pereira de Queiroz, estudando a dança de São Gonçalo no povoado de Santa Brígida no interior da Bahia coletou de uma informante o seguinte depoimento: “D. Dodô, solteirona de 54 anos muito versada em coisas de religião contou-nos que Deus dera penitências diferentes a cada um de seus santos; S. Gonçalo fora encarregado de salvar as mulheres perdidas. Para tal, fazia-as dançar de dia, tanto e tanto que quando a noite chegava estavam cansadas demais para exercer o seu mister. Deus, por seu lado, fornecia milagrosamente dinheiro ao santo para distribuir entre elas, a fim de que não se vissem obrigadas a apelar para o seu antigo modo de vida, premidas pela necessidade. Por isso é que em tempos muito remotos só as prostitutas podiam dançar o S. Gonçalo; atualmente, porém, qualquer mulher o pode fazer sem desdouro, a dança perdeu a exclusividade. Quem fez a promessa da dança fornece um repasto aos executantes e à assistência, quando ela termina; é em memória da bondade divina que fornecia os meios para S. Gonçalo ter êxito em seu empreendimento”. 4 

A Dança de São Gonçalo é um dos últimos vestígios da dança religiosa, das formas universais de súplica pelo ritmo dos bailados. Humilde, paupérrima, anônima, analfabetos os cantadores, inconscientes os bailarinos, é uma sobrevivência, contra a corrente, resistindo. (LCC – Dicionário). A dança sempre foi executada como um voto religioso, em cumprimento de promessas. As pessoas prometem uma ou mais rodas de São Gonçalo em troca de uma graça que almejam. As promessas podem ser variadas, de uma ou mais rodas. 

Segundo Alceu Maynard Araújo, “os caipiras e caiçaras concebem e não conhecem a imagem de São Gonçalo sem a viola. Só no Brasil. O São Gonçalo com viola na mão é coisa muito brasileira! É uma contribuição à nossa religião; sua iconografia atual é a mesma é uma consagração à viola – o instrumento do meio rural”. 5

Alceu Maynard Araújo, ardoroso batalhador da seara folclórica, num dos seus suculentos volumes do “Folclore Nacional” deixou registrado que São Gonçalo pode também ser considerado a dança da medicina, pois encerra conteúdo curativo. Esse aspecto pode ser evidenciado tanto no litoral quanto serra-acima. Em Tatuí, SP, anotou a seguinte afirmação: “os velhos reumáticos ficarão são do reumatismo, se dançarem a dança com fé e respeito” conforme a quadra relacionada à cura do reumatismo: 
“São Gonçalo foi pro céu
mas deixô bem decretado, 
quem dança a dança dêle 
há de ficá curado 

Para os caiçaras de Ubatuba, além do aspecto devocional do sincretismo religioso associado ao casamento, São Gonçalo é também uma dança de magia que afasta os perigos de naufrágio.6 

“Já louvei a São Gonçalo, 
esse santo me valeu, 
contra todos os perigos, 
 ele já me protegeu.” 

A dança implica, necessariamente, no cumprimento de uma promessa pelo devoto do santo. Esta se realiza no interior da casa do patrocinador da dança que a ela convida seus amigos, vizinhos e violeiros para sua realização. Eventualmente, e nos lugares mais afastados, a dança pode ser realizada no interior de uma capela onde a vigilância dos párocos é frouxa. 

O caráter religioso da promessa implica respeito não sendo, neste momento, tolerados namoros ou risos. Dança-la pressupõe o recebimento de uma graça e, por isso mesmo, todos querem participar de “uma volta”: reumáticos, encarangados... E as solteironas para conseguirem casamento. 

Antes da execução da dança propriamente dita, os devotos fazem a armação do altar, o qual geralmente é preparado sobre uma pequena mesa, devidamente coberta com uma toalha branca bem alvejada em cujo centro são colocadas as imagens de São Gonçalo e de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, com duas velas em cada extremidade do altar. Excepcionalmente pode também conter duas imagens de São Gonçalo, a do padre português e a do violeiro sendo essa última uma exceção funcional em toda a iconografia católica. O serviço religioso é preparado por sangonçalistas devotos, geralmente o capelão da localidade, que dá inicio ao ofício com o terço e a salve-rainha. Findo o ofício religioso cuja duração é de aproximadamente meia hora, dá-se início aos preparatórios preliminares da dança, com uma preleção do mestre marcador a propósito da religiosidade da função propriamente dita. Conforme anotações de Francisco Pereira da Silva, este é o momento em que o marcador faz compenetrada preleção a propósito da religiosidade da função. Trata-se de “uma dança de respeito. Dançada com pouco caso, São Gonçalo não aceita”. 7 

Sob o comando de um mestre marcador que organiza os casais defronte ao altar, em fila dupla, homens de um lado e mulheres do outro, tendo à frente os violeiros voltados para o altar sendo o mestre à direita e o ajudante, à esquerda. 

Como assinala Maria Isaura Pereira de Queiroz, a dança sempre foi executada como um voto religioso, em cumprimento de promessas. As pessoas prometem uma ou mais rodas de São Gonçalo em troca e uma graça que almejam; são ‘promessas de vivos’. As promessas podem ser variadas, de uma ou mais rodas, dançadas num só dia ou em vários dias, com dançadeiras determinadas ou quaisquer dançadeiras. 

Também é encarada como uma espécie de dança curativa por encerrar tais princípios. Tanto no litoral, (em Ubatuba), como no serra-acima, (em Tatuí), encontramos esta afirmação: “os velhos reumáticos ficarão são do reumatismo, se dançarem a dança com fé e respeito”.8 

“São Gonçalo foi pro céu
mas deixo bem decratado 
quem dança a dança dele 
há de fica curado”. 

 Em Ubatuba, a Dança de São Gonçalo é considerada uma dança de magia, pois se acredita que afasta os perigos a que estariam sujeitos os incautos bem como afugenta os perigos de naufrágio das embarcações. 

 “Já louvei a São Gonçalo, 
esse santo me valeu 
contra todos os perigos ele 
já me protegeu.” 

Como assinala Kilza Setti, “em Ubatuba os violeiros andam quase sempre em parceria; geralmente o versista e o seu segunda ou cantador; muitas vezes, fazem-se acompanhar de grupos com cavaquinho, rabeca, pandeiro, caixa e ferrinhos, dependendo do gênero da cantoria. Esta quadra da dança de São Gonçalo, registrada no bairro da Estufa, em março de 1979, mostra a interferência do sagrado para reforçar e estimular o apoio recíproco na música instrumental”: 

“São Gonçalo me falou 
 Que eu tocasse com carinho
 Falô pro violeiro, 
 Ajudai o cavaquinho” (Ubatuba nos cantos das praias – paginas 154/155). 

 Os versos da dança de São Gonçalo entre os caiçaras de Ubatuba, SP, sofrem variações, à mercê dos estímulos externos da maneira como o grupo social de portadores desta tradição da religiosidade folclórica reage em face desses estímulos. 

Os que seguem abaixo é parte da variação dos versos da dança de São Gonçalo e foram coletados entre caiçaras do bairro do Perequê-Mirin, de Ubatuba, SP. Têm início com uma profecia e segue-se as louvações, em forma de repentes. No final de cada dança um dos pares volta-se para o altar onde se encontra a imagem do santo e para ali dirige mesuras. As mesuras são feitas com repentes: o casal posta-se defronte do altar e o violeiro tem a obrigação de louvar a ambos. 

PROFECIA:  
São Gonçalo de almirante 
a sua viola na mão 
ele é um violeiro 
protetor dos folião 

Meu frade São Gonçalo 
seu chapéu tem aba e copa 
disse missa no Brasil 
fosse padre na Europa 

Ele tirou a sua dança 
pela sua grande ventura 
pra livrar uma prostituta 
da rua da amargura. 

Quem tiver sua promessa 
Antes de morrer é bom pagar 
Quando deste mundo for 
A alma não irá penar.

LOUVAÇÕES EM REPENTES 
Vou louvar o mestre da dança (bis) 
passeando no salão (bis)
e junto com a sua mestra (bis)
ensinando o batalhão (bis) 
O meu frade São Gonçalo (bis) 
Ta na frente do salão (bis) 
Ensinando o meu mestre (bis) 
Acompanhando o batalhão (bis) 
O meu são Gonçalinho 
Ele é tão bonitinho 
Ele come o seu pão
Ele bebe o seu vinho.
Ora viva o São Gonçalo... 

LOUVAÇÃO DO MESTRE: 
Louva o mestre, louva o mestre (Bis) 
Fazendo sua mesura (bis) 
E na gente do altar (bis) 
Onde ta a virgem pura (bis)

O meu são Gonçalinho 
Ele é tão bonitinho 
Ele come o seu pão 
Ele bebe o seu vinho 
Ele deita, ele dorme, 
Ele é tão bonitinho. 
Ora viva São Gonçalo... 

A Dança de São Gonçalo possui uma intrínseca função de solidariedade e integração dos indivíduos de pequenos grupos sociais, abolindo as divisões e os distanciamentos dos membros do grupo. Assim como outras práticas religiosas que ainda permanecem no seio de comunidades pontuais, a Dança de São Gonçalo tem por função principal a manutenção da estrutura e da organização sociais tradicionais, não só fomentando a coesão e solidariedade internas, como também reafirmando a vigência dos valores que tornam possíveis a existência da própria comunidade. 

São Gonçalo de Amarante é festejado no dia 10 de janeiro com danças e promessas, juntando-se dinheiro para distribuir entre os violeiros que comandam a louvação do santo dirigindo a fila dupla de fiéis em seu ritmado passo de dança. 

A esse respeito Rossini Tavares de Lima no seu livro “Folclore das Festas Cíclicas” menciona uma lenda de fundo católico, recolhida em 1960 na região de Ubatuba. Na literatura folclórica a palavra “lenda” indica a estória da vida dos santos e de homens ou mulheres consagrados em diversas religiões. No geral, as nossas lendas são quase todas de fundo católico. 

A lenda, contada por Juvenal Antonio dos Santos, diz que “São Gonçalo morava em um lugar onde havia muitas moças desiludidas, que se perdiam sem mais aquela. Ele tinha bastante idade e não sabia o que fazer para entreter as moças, impedindo-as de cair na perdição. Resolveu, então, comprar uma viola e sair à procura das moças. E quando elas se preparavam para ir se “adverti”, São Gonçalo, com jeito, convidava-as para cantar e dançar e afastava de suas cabeças todos os maus pensamentos. Isso, o santo fez durante muito tempo até que morreu. Só com a sua morte é que as moças perceberam que ele era santo. Foram buscar um retrato velho dele, colocaram perto uma bandeira e puseram-se a dançar e a cantar suas modas. E assim deixaram de andar por aí e se fizeram devotas de São Gonçalo.” 

Numa conversa informal que mantivemos em 1986 com Catarina de Oliveira Prado lembro-me do seguinte relato: “...era uma coisa que nem o São Gonçalo, era uma coisa linda, bem tirado, bem feito, bem cantado. E havia as mesuras depois que se dançava de fila em fila. Quando chegava a hora da mesura, do beijamento do santo. Era de dois em dois, do par, fazendo mesuras, até terminar.” “ O pessoal cantava com garra, com vontade de divertir, entende?... Era uma fila de homem outra de mulher. Aquilo bem passado, bem trançado, quantos que eu não dancei... Violão, cavaquinho, tinha o pandeiro, violino, uma parte de cana verde. Ah, vamos dançá a cana verde, toca aí uma cana verde e o resto é xiba...”

Notas:

1 Gilberto Freyre, “Casa Grande e Senzala”, página 245.

2 Francisco Pereira da Silva, “A volta do Cajuru na Dança de São Gonçalo”, Revista Brasileira do Folclore, ano IV, nº 14, janeiro/abril de 1966.

3 Eduardo Etzel, Imagens Religiosas de São Paulo, página 33.

4   Maria Isaura Pereira de Queiros, “Sociologia e Folclore – A Dança de São Gonçalo num Povoado Bahiano – Coleção Estudos Sociais – 1 – Livraria Progresso Editora, 1958.

5   Alceu Maynard Araújo, “Documentário Folclórico Paulista”. São Paulo. Departamento de Cultura, Divisão de Arquivo, 1952. 

6 Alceu Maynard Araújo, Folclore Nacional, vol. II, Danças, Recreação, Música –  Editora Melhoramentos, 1964.

7 Francisco Pereira da Silva, “A Volta do Cajuru na Dança de São Gonçalo”, 

8 Kilza Setti, “Ubatuba nos cantos das praias”, Editora Ática, São Paulo, 1985.

 Bibliografia consultada: 

- Imagens Religiosas Brasileiras – Eduardo Etzel

- A Dança de São Gonçalo num povoado baiano – Maria Isaura Pereira de Queiroz 

- A volta do Cajuru na Dança de São Gonçalo – Francisco Pereira da Silva

- Notas sobre a dança de São Gonçalo do Amarante – Geraldo Brandão 

- Documentário Folclórico Paulista – Alceu Maynard Araújo 

- Ubatuba nos cantos das praias – Kilza Setti

- Folclore das Festas Cíclicas – Rossini Tavares de Lima 

 - Funções sociais do folclore - Maria Isaura Pereira de Queiroz – Revista de Cultura Vozes, out/1969.


OUTRA FORMULAÇÃO 
A festa de S. Gonçalo, se bem que de origem portuguesa, é a tal respeito particularmente significativa: aliás, ela não nos afasta, tanto quanto se poderia pensar, deste catolicismo indígena, porque mui frequentemente, no Estado de S. Paulo, a dança ante a estátua do santo é erguida, no decurso da noite, de cateretê ou de caruru. A princípio essas danças se faziam no interior das igrejas, para as raparigas casadoiras, e La Condamine teve ainda ocasião de assisti-las em 1817 no Recife. Elas se realizavam em 10 de janeiro, dia de S. Gonçalo, nas a Igreja acabou por proibir nas grandes cidades este culto, que lhe parecia indecente, e, malgrado os esforços endentes a restaurá-lo, veio a desaparecer por volta de 1889, ao mesmo tempo em que a monarquia. As danças, entretanto se conservaram nos campos, onde a fiscalização da Igreja não pode tomar senão uma forma temporária e descontínua, onde a fé tem que se alimentar a si própria, sem nada esperar de fora. Mas, acabando por ligar-se à velha instituição que a criara, tais danças já não se realizam no dia do aniversário do santo, mas em qualquer outro dia do ano, à vontade dos organizadores. Elas se tornam uma “promessa”, um ”voto”, de um roceiro que se curou de certa moléstia dolorosa ou de uma rapariga que não se casa e invoca a clemência do santo. Antes do mais, cumpre reunir os recursos necessários para a festa de maneira a contentar o santo, depois é preciso fazer chegar o aviso a uma população mui dispersa, o que requer tempo. O folclore rural torna-se assim a missa da gente humilde.
Sociologia do Folclore BrasileiroRoger Bastide 

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