ISC - Idealizado em 1993, o Instituto Salerno-Chieus nasceu como organismo auxiliar do Colégio Dominique, instituição particular de ensino fundada em 1978, em Ubatuba - SP. Integrado ao espaço físico da escola, o ISC tem a tarefa de estimular a estruturação de diversos núcleos de fomento cultural e formação profissional, atuando como uma dinâmica incubadora de empreendimentos. O Secretário Executivo do ISC é o jornalista e ex-prefeito de Ubatuba Celso Teixeira Leite.
O Núcleo de Documentação Luiz Ernesto Kawall (Doc-LEK), coordenado pelo professor Arnaldo Chieus, organiza os documentos selecionados nos diversos núcleos do Instituto Salerno-Chieus (ISC). Seu objetivo é arquivar este patrimônio (fotos, vídeos, áudios, textos, desenhos, mapas), digitalizá-los e disponibilizá-los a estudantes, pesquisadores e visitantes. O Doc-LEK divulga, também, as ações do Colégio Dominique.

LEK - Luiz Ernesto Machado Kawall (1927-2024), jornalista e crítico de artes, foi ativo colaborador do Instituto Salerno-Chieus (ISC) e do Colégio Dominique. É um dos fundadores do Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do Museu Caiçara de Ubatuba.

30 março 2019

CAVALHADA

Entre os folguedos populares dramatizados a cavalhada ainda guarda parte de sua tradição realizando um ato conhecido por Embaixada tendo por base a representação de lutas entre mouros e cristãos numa referência às batalhas de Carlos Magno contra os mouros onde a temática é a luta entre cristãos e mouros. 


Reminiscente dos torneios da Idade Média, a cavalhada reporta-se ao tempo em que a Península Ibérica estava em luta contra os mouros, época em que os costumes feudais da cavalaria são introduzidos nessa parte da Europa. Na renascença esses costumes caíram no ridículo e foram retratados por Cervantes em seu genial Dom Quixote de la Mancha. Porém, não deixou de ser reverenciado entre os ibéricos e foi introduzido no Brasil à época da colonização. A cavalhada brasileira é de origem ibérica e remonta a luta dos cristãos contra os mouros. 

Entre nós a cavalhada difundiu-se nas regiões tradicionalmente pastoris para o preenchimento das horas de lazer entre cavaleiros e com o tempo ganhou função dramático religiosa, constituindo-se numa grande festa, a de reviver a luta entre cristãos e mouros, apresentando aspectos lúdicos e também alguns aspectos religiosos numa espécie de torneio dramatizado. 

O início é realizado em tons solenes, aos sons de trombetas. Duas hostes de cavaleiros adentram ao campo, diferenciando-se pelas cores das roupas, uma representando os cristãos, com vestes azuis, e outra com vestes vermelhas representando os mouros. 

Segundo Alfredo Maynard Araújo, a cavalhada teatral, de herança portuguesa é a forma mais antiga, introduzida no Brasil no século XVII. Compõe-se de duas partes distintas; a dos jogos onde há disputas e evoluções e a dramática, bem mais teatral, onde se faz a representação da luta entre cristãos e mouros. 

Antes da apresentação é comum os cavaleiros desfilarem pelas ruas da cidade ao toque de clarins, anunciando a cavalhada. 


O número de participantes da cavalhada é vinte e quatro, pois doze eram os pares de França. São dois partidos que tomam parte: o Azul, ou dos Cristãos, tendo por chefe o General, e o vermelho, ou dos mouros, dirigidos pelo Rei. Tanto o General como o Rei são chamados de Mestres e ambos têm seus contramestres. Por se tratarem de duas hostes opostas, cada uma possui um espia que se veste com roupas de palhaço ou mesmo com alguma fantasia bizarra e máscaras. 

Ao início, um cavaleiro mouro, em tom provocador, dirige-se aos companheiros dizendo: – Ilustres companheiros, invencíveis contra os cristãos, a guerra para nós se faz preciso. Desde já jureis pelo Alcorão morrer ou vencer pelo Profeta ou pro nossa santa crença. Os cristãos aceitando o desafio respondem em linguagem gongórica: 

– A cruz de Cristo vencerá, como sempre, o réprobo Maomé. 

 Ao soar de clarins entram em campo os vinte e quatro cavaleiros com suas vestes reluzentes, azuis e vermelhas postando em lados distintos do campo, os cristãos a leste e os muros a oeste. 

Dentre os mouros destaca-se o espia, que envereda campo adentro. Pouco depois vem o espia cristão, mas antes que este chegue, um soldado cristão mata o espia mouro. E o soldado do General, de espada em riste, transpassa-a entre o corpo e o braço do espia, que cai no chão fingindo estar morto. O soldado cristão finge que finca a espada perto da cabeça, como quem quer separar o corpo. O contramestre do Ri, sabendo que foi morto seu espia, chega ao centro do campo e inicia uma troca de palavras dando início à Embaixada. 

Quando os mouros procuram aprisionar os cristãos que oferecem resistência, matam o espia dos azuis. Há então um pequeno combate simulado, retinir de espadas e uma luta onde os vermelhos sairão perdedores. 

São todos aprisionados, descem dos cavalos e, a começar pelo Rei, ajoelham-se frente ao General. O General, diante do mouro, coloca a espada em seu ombro, batizando-o. Em seguir todos levantam-se em congraçamento e formam um só grupo, os Doze Pares de França. 

Daí por diante, chefiados pelo General, dão início às exibições de agilidade, perícia e habilidade de cavaleiros executando manobras com diversas figurações: “oito”, “volta garupa”, “xis de espada”, “carreira avançada”, “carreira pintada”, “caramujo” e “S dobrado.”. 

Também encontramos em nossa região, à época das Festas de São Benedito e São Luiz do Paraitinga e Guaratinguetá, as chamadas Cavalhadas de Cortejo, que consiste apenas em um desfile de cavaleiros acompanhando procissão. Em geral esse tipo de cavalhada é denominado “cavalaria de um determinado santo”: Cavalaria de São Benedito (Guaratinguetá, São Luiz do Paraitinga, Atibaia), Cavalaria de São Roque ou Cavalaria de São Jorge. Em geral, quando termina a procissão, os cavaleiros ou “corredores” de tal santo fazem algumas evoluções simples como a meia lua, o caramujo e a manobra zero. 


 Aqui perto, em São Luiz do Paraitinga, se conheciam dois tipos de cavalhadas, a teatral, de cunho dramatizado e a religiosa, também chamada cavalhada de cortejo ou cavalhada de São Benedito onde os cavaleiros se vestiam de branco, a cor a roupa preferida pelo santo. 

Na literatura brasileira encontramos autores que incluem em suas narrativas os enredos de cavalhadas, como é o caso do romance O Garimpeiro, de Bernardo Guimarães Em As Minas de Prata, de José de Alencar, há uma descrição de cavalhada na Bahia, em 1609. 

No “Romance da Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna, o festejado romancista pernambucano descreve a Cavalhada de Taperoá, interior da Paraíba onde os “Azuis” disputaram troféus com os “Encarnados”, no jogo das argolinhas, que é comum em algumas cavalhadas nordestinas. 

Jean Baptiste Debret, que veio ao Brasil em 1816, tendo permanecido por 15 anos, em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, descreve as cavalhadas como introduzidas por governadores portugueses das províncias. Outras descrições são registradas por Auguste de Sant-Hilaire em seus livros sobre as viagens que fez pelos interiores do Brasil. Há também, alusões às cavaladas nas obras de Spix e Martius.

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