José Mauro de Vasconcelos é dos escritores brasileiros mais reeditados e lidos tanto entre nós, brasileiros quanto no exterior, onde suas obras também fazem muito sucesso.
Nascido no subúrbio carioca de Bangu, Rio de Janeiro, a 20 de fevereiro de 1920 e filho de uma família de ascendência nordestina e muito pobre, ainda menino foi viver com os tios em Natal, Rio Grande do Norte. Aos nove anos, já em Natal, aprendeu a nadar e, com grande prazer, lembra-se dos treinos de natação nas águas do rio Potengi e de seus sonhos de ser campeão. Ali passou o final da infância e a adolescência estudando no Colégio Marista até iniciar-se no curso de Medicina, que frequentou apenas por dois anos.
Esse período vivido em Natal lhe rendeu o livro “Doidão”, em que nos remete à sua adolescência de uma forma romanceada. Ao abandonar o curso de medicina decide voltar ao Rio de Janeiro num velho navio cargueiro. Ainda sem meta estabelecida para manter-se exerce um sem número de profissões desde sparing de peso pena a carregador de bananas, garçom de boate, servindo até mesmo de modelo artístico ao escultor Bruno Gíorgi à época em que este executava o seu “Monumento à Juventude”, exposto nos jardins do Ministério da Educação no Rio de Janeiro. Também foi carregador de bananas em Itaguaí, RJ, pescador no litoral fluminense e professor primário em um núcleo de pescadores em Recife.
Sua última tentativa e malograda experiência foi em 1952, quando ganhou uma bolsa para estudar em Salamanca. Ficou três dias apenas na universidade. “Você acha que eu podia ficar uma hora inteira ouvindo chavões de literatura ou escrevendo composições sobre Cervantes?” - diz o incorrigível estudante. E acrescenta: “Tudo ali era muito chato”. De Salamanca voltou a Madrid, onde ficou poucos dias, encerrando o estágio-relâmpago de bolsista espanhol. Depois foi fazer um giro pela Itália e França, por conta própria.
De suas atividades a que exerceu com mais vigor e plenitude foi junto aos irmãos Villas-Boas, varando rios pelas regiões hostis do Rio Araguaia e seu trabalho junto às tribos indígenas locais. Os poucos anos que frequentou a faculdade de medicina lhe proporcionaram conhecimento suficiente para atuar com enfermeiro nos sertões longínquos do Araguaia e apaixonar-se pela vida nas selvas brasileiras sentindo-se útil àquelas populações ribeirinhas.
Dotado de prodigiosa capacidade inata de contar histórias, possuindo fabulosa memória, candente imaginação e com uma volumosa experiência humana, José Mauro de Vasconcelos não quis ser escritor, foi obrigado a sê-lo. Os seus romances, como lavas de um vulcão, foram lançados para fora, porque dentro dele o “eu” estava transbordando de emoções. Ele tinha de escrever e de contar coisas. Sua fenomenal produção literária, iniciada aos 22 anos de idade, ainda não chegou ao meio caminho, porque ele está em plena ascensão, com inexauríveis reservas, que o levará a posição ainda mais elevada nas letras nacionais.
Depois de “Banana Brava”, romance escrito em 1942, José Mauro produziu “Barro Blanco” (1945), “...Longe da Terra” (1949). “Vazante” (1951). “Arara Vermelha” (1953), “Arraia de Fogo” (1955), “Rosinha, Minha Canoa” (1964), “As Confissões de Frei Abóbora” (1966), e por último “O Meu Pé de Laranja Lima” (1968), livros que tiveram grande aceitação, todos eles elaborados à base de suas aventuras nas praias ou na selva.
O autor desses belos romances tem método originalíssimo. De inicio, escolhe o cenário onde se movimentarão seus personagens. Transporta-se então para o local, onde realiza estudos minuciosos. Para escrever “Arara Vermelha”, percorreu cerca de 450 léguas no sertão bruto.
Em seguida, José Mauro dá asa à sua fantasia e, na imaginação, constrói todo o romance, determinando até mesmo as frases da dialogação. Tem uma memória que, durante longo tempo, lhe permite lembrar-se dos mínimos detalhes do cenário estudado.
“Quando a história está inteiramente feita na imaginação”, revela o escritor, “é que começo a escrever. Só trabalho quando tenho a impressão de que o romance está saindo por todos os poros do corpo. Então vai tudo num jacto”.
Como o seu sistema de ficar dormindo na pontaria até que o livro esteja “escrito” na imaginação, conta José Mauro que, ao pôr-se em ação, na fase material de bater à máquina, tanto faz escrever os capítulos, um após outro, como dar saltos; depois de pronto o primeiro, passa à conclusão do livro, sem antes ter elaborado o entrecho. “Isso”, explica o escritor, “porque todos os capítulos estão já produzidos cerebralmente. Pouco importa escrever a sequência, como alterar a ordem. No fim dá tudo certinho”.
Um homem que não via a hora de “meter o peito no mato” para matar as saudades da selva. Seus livros vieram até nós de uma forma quase natural, logrado por seu espírito viajante e desbravador natural dos sertões do interior do Brasil.
Como ninguém, sabia entreter o leitor com uma história bem contada por alguém que viu e vivenciou essas histórias. Em seus livros há um toque de íntima pessoalidade fruto de sua vivência no aprendizado de uma vida que parece ter sido a essência de sua literatura.
Numa entrevista ao jornalista Audálio Dantas, José Mauro de Vasconcelos contou como travou amizade com Francisco Matarazzo Sobrinho:
“No meu segundo livro, Barro Blanco, resultado de uma viagem aio Rio Grande do Norte, contava o drama dos trabalhadores do sal, denunciava a exploração de que eles eram vítimas por parte das grandes companhias, uma das quais a Matarazzo. Por causa disso, um Matarazzo, Ciccillo, criador da Bienal de São Paulo, amigo de escritores e artistas, quis me conhecer. Gostara muito do livro, e gostaria muito mais do autor. Pagou onze das treze operações que tive de fazer na perna. Grande parte de minha obra, posterior a Barro Blanco, foi escrita em máquina de escrever presenteada por ele”.
Quatro de seus livros foram escritos na casa do amigo Ciccillo, na Prainha, em Ubatuba, onde permanecia isolado, sempre atendido pelo exemplar Ireno, de quem se tornou amigo, vindo posteriormente outra pessoa admirável, Idalina Graça, que nos deixou estas impressões de José Mauro de Vasconcelos: Em maravilhosa manhã de domingo no primeiro ano da feliz gestão Matarazzo em nossa terra, Paulo Florençano, artista amigo por excelência, a quem devo gratidão pela amizade e ajuda que ele e sua formosa esposa, Vanda, me têm dispensado, há longos anos, havia-me feito uma promessa, quando houvesse oportunidade, far-me-ia conhecer o admirável autor de “ROSINHA MINHA CANOA”, que no meu entender é um de seus melhores livros. Com a Graça de Deus essa hora havia chegado, pensei, ao ver acompanhando meus dos bons amigos o ser excepcional que ele é espiritual e materialmente, e continuará sendo, com a proteção de Nossa Senhora Aparecida. Seja como for, querido, eu agradeço as horas feliz em que no meu humilde lar você extravasava seu coração, quando mantendo uma conversa amena, só eu aprendia. Porque você é que tinha tudo a dar, como me deu na suave ternura da amizade espiritual.
José Mauro de Vasconcelos morreu em São Paulo em 1984, aos 64 anos de idade, vítima de broncopneumonia.
Texto de Arnaldo Chieus
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