ISC - Idealizado em 1993, o Instituto Salerno-Chieus nasceu como organismo auxiliar do Colégio Dominique, instituição particular de ensino fundada em 1978, em Ubatuba - SP. Integrado ao espaço físico da escola, o ISC tem a tarefa de estimular a estruturação de diversos núcleos de fomento cultural e formação profissional, atuando como uma dinâmica incubadora de empreendimentos. O Secretário Executivo do ISC é o jornalista e ex-prefeito de Ubatuba Celso Teixeira Leite.
O Núcleo de Documentação Luiz Ernesto Kawall (Doc-LEK), coordenado pelo professor Arnaldo Chieus, organiza os documentos selecionados nos diversos núcleos do Instituto Salerno-Chieus (ISC). Seu objetivo é arquivar este patrimônio (fotos, vídeos, áudios, textos, desenhos, mapas), digitalizá-los e disponibilizá-los a estudantes, pesquisadores e visitantes. O Doc-LEK divulga, também, as ações do Colégio Dominique.

LEK - Luiz Ernesto Machado Kawall (1927-2024), jornalista e crítico de artes, foi ativo colaborador do Instituto Salerno-Chieus (ISC) e do Colégio Dominique. É um dos fundadores do Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do Museu Caiçara de Ubatuba.

13 novembro 2014

VIRGINIA LEFEVRE E A S.P.E.S.

Ricardo Grisolia Esteves*

Na Ponta da Trindade, Ubatuba, duas caiçaras com Virgínia e Waldemar Lefèvre

                Escrever sobre Virgínia Lefèvre é escrever sobre várias personalidades em uma única: a escritora, a filósofa e missionária, a figura carismática elevada que encantava e seduzia com suas idéias humanísticas todos aqueles que tiveram a honra de conhece-la pessoalmente. Profundamente espiritualizada e culta, jamais incutiu conceitos religiosos nas pessoas que a rodeavam, porém, sempre tinha para todos uma palavra de fé e esperança. Nunca a vimos falar de política porém, nos alertava sobre a quem e quais os caminhos que deveríamos evitar.

Já em 1942 Virginia Lefèvre e algumas amigas fundaram em São Paulo a Escola para Crianças Abandonadas, que objetivava alfabetizar e capacitar para serviços domésticos, moças adolescentes provenientes de famílias sem posses e oferecer a elas educação familiar, cultura e boas maneiras, através do convívio em casas paulistanas.

Seu marido, o engenheiro Waldemar Lefèvre, fora incumbido pelo Instituto Geográfico e Geológico a determinar a linha divisória entre os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Ao vir para Ubatuba, na companhia de seu marido, Virgínia Lefèvre se estabeleceu no bairro do Itaguá e a partir daí, enquanto durava o empreendimento de seu marido, percorreu toda a região até chegar as praias mais distantes do norte, então somente acessíveis por mar e por trilhas na mata.

Constatando a triste situação em que viviam as famílias caiçaras na abandonada Ubatuba dos anos 40, Dª Virgínia usou sua influência na sociedade paulistana da época e apelou ao seu círculo de amizades para fundar a SOCIEDADE PRÓ-EDUCAÇÃO E SAÚDE – S.P.E.S., mantida às custas de mensalidades dos associados e de rendas provenientes de eventos culturais.

Toda a vida de Virginia Lefèvre a partir de 1946 até seus últimos instantes em 1987, foi integralmente dedicada a S.P.E.S., entidade que chegou inclusive a ser declarada de interesse público pelos relevantes serviços sócio-culturais e educativos que patrocinava ao povo caiçara de Ubatuba.

A S.P.E.S.tinha como missão “prestar assistência social, de forma eficaz, promovendo a agregação da família”. Suas primeiras ações foram realizar casamentos entre pessoas que já viviam juntas e com filhos e também o de promover o registro dos filhos naturais pois muitos caiçaras não tinham registros civis de casamento e seus filhos não eram registrados formalmente. Esta situação impedia a comprovação de paternidade não lhes garantindo o acesso ao direito sucessório, tornando-os vítimas de especuladores imobiliários que a partir de documentação forjada, apropriavam-se facilmente de suas  terras.

Outra pioneira iniciativa da S.P.E.S. que obteve efeitos transformadores na sociedade caiçara foi a escolarização nas primeiras letras, com a fundação de  escolas. Em 1946 foi fundada a primeira escola no bairro do Itaguá, onde apenas se chegava caminhando pela praia. Em 1949 veio a da Caçandoca; em 1950 e 1951, respectivamente, foram criadas escolas na Almada e no Camburi; em 1954 a escola no Sertão do Ubatumirin. Na conceituação da S.P.E.S. a escola não se limitava a fornecer alfabetização e o primeiro contato com os livros. O seu espaço era ao mesmo tempo “a casa da lavoura; a farmácia; a enfermaria; o registro civil; a câmara e a prefeitura”.

Os esforços em promover a saúde, o saneamento e a educação principalmente dirigidos às famílias carentes e geograficamente isoladas, desprovidas de todo tipo de amparo, foi uma constante em muitos anos. De campanhas para tratamento dentário a mutirões para a erradicação de infecções epidêmicas, a S.P.E.S. atacou todas as piores mazelas que afligiam a vida do isolado povo caiçara e para isso buscou uma enorme soma de esforços, seja na iniciativa privada, seja na imprensa, procurando comover a opinião pública em prol da obtenção de recursos.

E foi através da S.P.E.S. que o artesanato caiçara passou a ser uma importante atividade, inclusive com a promoção de cursos para a melhoria dos produtos e o fomento à produção. Esse material era levado a exposições em São Paulo e a renda obtida revertia para os produtores, o que fez muitas famílias se especializarem.

Passados quase vinte anos da extinção da S.P.E.S., só restou de sua memória a lembrança de uns poucos amigos. Hoje a estrada já chegou ao sertão e poucas são as famílias caiçaras que vivem da roça e do mar. Não nos cabe julgar o que ficou de tudo aquilo – apenas prestar uma homenagem emocionada àquela que dedicou abnegadamente a melhor parte de sua vida à causa dos esquecidos.

Parabéns Dona Virgínia!


*Ricardo Grisolia Esteves (arquiteto e ceramista, morando em Ubatuba conheceu a obra da SPES em curso de teares manuais na sede do Itaguá em 1983) foi vice-presidente da SPES de 1983 a 1985. É co-autor do Manual Prático do Mobiliário Escolar, editado pela ABIME em 2001.

11 comentários:

Unknown disse...

Ricardo, parabéns pelo texto. Adorei saber sobre os trabalhos de Virginia Lefèvre. Saudações Adriana de Almeida Prado

Marilia Duran disse...

Ricardo,
É assim que a história deve ser escrita! Quantas passagens interessostracismo, não são divulgadas,antes e importantes ficam no é a História não oficial que enriquece o processo do conhecimento dos fatos históricos. Parabéns Ricardo, linda passagem!

Anônimo disse...

Ricardo, parabéns! Um tributo muito justo! Pesquisei muito sobre essa nobre escritora e seu texto foi o único registro que encontrei. A Lagostinha Encantada foi o meu primeiro livro infantil, na década de 70, e o guardo até hoje com muito carinho. Gostaria de conhecer mais sobre a Virgínia, se possível: fotos, biografia, notícias sobre familiares,etc. Um abraço.
elaine.napoli1@gmail.com

Anônimo disse...

Minha mãe lia pra mim a Lagostinha Encantada, é uma das mais antigas recordações da minha infância. Obrigada por nos apresentar a autora.

Anônimo disse...

Hoje me veio a lembrança do livro "A Lagostinha encantada", lido com intensidade na biblioteca de minha escola!! Cabulava as aulas de ed. Fisica para ler. . e esse livro marcou a menina que fui. Minha doce infância. Grata por nós trazer informações sobre a autora, eu já nso lembrava.

Unknown disse...

Parabens pelos comentarios....participei do SPES ajudando na contabilidade e minha esposa na epoca Estela Maria trabalhava nos teares e fazia distribuição de enxovais para recem nascidos fornecido por D Virginia para o povo caiçara que ela muito bem conhecia.

Anônimo disse...

Parabéns,Ricardo!!
Lindo texto sobre Dona Virgínia!!

Anônimo disse...

Parabéns, Ricardo!!
Lindo texto sobre Dona Virgínia!!!
Vera Ubatuba.

Maurício Marx e Silva disse...

Minha primeira leitura “de peso”, aos 8 anos, foi “O príncipe invencível”, biografia de Alexandre da Macedônia escrita pela prof.a. Virgínia. Presente de minha mãe, professora numa pequena escola no interior do RS. Deixou uma marca eterna. Hoje, meio século depois, estou a apresentar trabalhos ligando as mitologias antigas à psicanálise, inclusive desidealizando Alexandre, graças a este encanto despertado tão cedo. Muita gratidão a esta mulher extraordinária.

Anônimo disse...

Olaaa…. Em 1966, ganhei “”as últimas façanhas da Fada Cacetinha””,hoje, tenho 67 anos, ainda o tenho, com mto carinho!! Amei saber um pouco sobre a vida dessa maravilhosa autora!!!
Graça/ Divinópolis/mg.

Line Mayer disse...

Que lindo texto! Ela é minha bisavô. Mãe da mãe de minha mãe. Me orgulho dessa linhagem feminina. Estou relendo Ana Selva, adoro seus livros todos. E a magnitude de sua alma me influenciou a trabalhar em Ubatuba com a edição pública. Sou professora.