Hoje, passados
tantos anos, vejo a praça quieta, simples e bela; a igreja imponente simboliza
a bênção de Deus sobre Ubatuba.
Alguém, a quem
até o momento estou ligada por indestrutível amizade, o farmacêutico Washington
de Oliveira, vem despertar-me dos meus sonhos. Caminhando sorridente ao meu
encontro, diz:
– Uma boa
notícia para você, Idalina! Um amigo de São Paulo me pede para alugar dois
quartos no seu hotel, para ficar mais perto da praia. Pode ser?
–
Perfeitamente, meu amigo. Telegrafe que os lugares estão reservados.
– Hoje mesmo
telegrafarei e logo ele estará por aqui.
Assim foi que
conheci Willy Aureli, que seria o meu anjo da guarda na estrada por onde eu
teria que iniciar os meus vacilantes passos na literatura. Gigante físico,
cabelos castanhos, olhar claro e suave, como de criança.
Apenas
conversamos e já nos tornamos bons amigos. Como eu, ele era, e é, um namorado
das belezas simples da terra tamoia.
Gostava de saborear o café da tarde, no
momento em que eu o coava. Foi num dia chuvoso que, impedido de tomar o banho
de mar, me procurou na cozinha, onde eu trabalhava, para o bate-papo gostoso de
costume. E foi sorrindo que me disse:
– Vai perdoar
minha intromissão em seus domínios, mas eu adoro café passado na hora.
– Então faça o
favor de sentar – disse-lhe eu, lisonjeada pela sua companhia. Sente-se
enquanto vou buscar o pão.
Eu rabiscava em
pedaços de papel, nos raros momentos de sossego e às escondidas do Albino, que
era ciumento de tudo quanto não se referisse a ele. Longe estava de sonhar
algum dia sair da minha modestíssima posição, para vir ocupar colunas de
jornais e escrever um livro! Esses rabiscos, eu os escondia no bojo de algumas
latas, confundidas com outras de mantimento, alinhadas nas rústicas prateleiras
da minha cozinha.
Enquanto saí
para ir à cata do pão, Willy Aureli guiado por esse instinto peculiar aos
repórteres natos, farejou os meus escritos e, ao voltar à cozinha, encontrei-o
mergulhado nos meus rabiscos, esquecido do café de que tanto gostava.
– Oh!... –
exclamei, sem saber o que mais dizer. – São rabiscos com que vou me distraindo
nas horas vagas...
Olhou-me
demoradamente, procurando decifrar minha alma. Depois, dobrando as folhas,
meteu-as no bolso do blusão.
– São meus
segredos, “seu” Willy – argumentei meio embaraçada.
– Deixaram de
ser seus. Agora também me pertencem. Sabe, dona Idalina? Acabo de conhecer uma
escritora iletrada, mas que tem estilo, tem alma, tem inclinação. Puxa! Até
parece incrível!
Sorveu o café,
rebuscou em outros potes, e despedindo-se:
– Ainda terá
uma surpresa...
Foi uma alegre
temporada aquela, em que eu, insignificante criatura, tive a ventura de
conhecer o jornalista, escritor e sertanista Willy Aureli. Quero-lhe muito, e
não há um só dia que passe se que eu peça a Deus por este amigo, dotado de tão
nobres qualidades.
Ele partiu. Eu
fiquei sonhando com o olhar claro e simples, como uma réstea de luz que, daí
por diante, iria me guiar pelo escuro caminho que eu vinha trilhando.
Passaram-se
dias, e qual não foi minha surpresa quando a “Folha da Manhã” publicou uma
reportagem em que ele, Willy, contava dos meus sonhos e aspirações, da minha
forma de escrever e sentir. E lá estava a minha primeira crônica, “Mentira
Viva”, revelando ao público de minha terra o sonho de uma hoteleira, de dizer a
todos as belezas de Iperoig. Pensei morrer de alegria!
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