APRESENTANDO (*)
Você vai ler, prefaciando este livro, a carta que me escreveu um amigo de Saint-Exupéry.
Quando o procurei no Rio, em setembro último, foi com emoção que o ouvi falar do Amigo-Piloto, com a ternura e a fidelidade dos grandes companheiros da “Aéropostale”.
O Senhor Jean-Gérard Fleury é simples, modesto e tem uma memória excepcional. Lembra-se, com detalhes, dos momentos vividos na companhia de Saint-Exupéry e de seus companheiros de pilotagem com a maravilhosa memória do coração.
Entreguei-lhe as cópias dos originais deste livro e fiz-lhe um pedido: Eu desejava saber se tinha sido fiel a Saint-Exupéry.
Ao devolver-me as cópias, três dias mais tarde, Jean-Gérard medisse: “Fique tranquila. Geralmente temos tendência a elevar à santidade ou ao heroísmo aqueles que admiramos, quando morrem. Não se preocupe. Tudo o que você disser de positivo sobre Saint-Exupéry ficará sempre aquém da realidade”.
Dias depois mandou-me a carta que serve de prefácio a este livro.
Agradeço a Jean Gérard a delicadeza de seu gesto.
Há poucos dias, pelo telefone, eu lhe dizia tudo o que a Aviação Brasileira deve ao pioneirismo dos rapazes da “Aéropostale”, especialmente a Paul Vachet, Mermoz, Etienne, Reine, Guillaumet e Saint-Exupéry. Plantando pistas de pouso e postos de abastecimento e conservação ao longo de nossas praias, de Natal ao Rio Grande do Sul, com aviões frágeis, desenvolvendo apenas 160 quilômetros por hora, foram eles que semearam asas no Brasil. Jean-Gérard lembrou-me, então, que o Aeroporto dos Afonsos, no Rio, nasceu do idealismo desses pilotos, técnicos e mecânicos, impulsionando nossos homens entusiasmados com o aparecimento dos primeiros aviões deste lado do Atlântico.
O Brigadeiro Eduardo Gomes, figura das mais representativas da Aeronáutica de nosso país, inspirou-se na “Aéropostale” quando fundou o nosso extraordinário Correio Aéreo Nacional.
E continuei: Creio que o exemplo de dedicação e heroísmo que nossos pilotos receberam dos pilotos da “Aéropostale” foi a mais bela colaboração que o Brasil recebeu da França. Em nome de todos eles eu lhe agradeço.
Jean-Gérard me ouviu com atenção e, com aquela elegância moral que lhe é própria, respondeu-me: “Mas minha Irmã, tudo começou com Santos Dumont. Foi o Brasil que primeiramente deu asas à França. O que fizemos foi apenas retribuir...”
O Correio Aéreo – a Linha – como diziam os Franceses, partia de Tolosa, fazia escalas na Espanha, no Norte da África e tinha seu ponto final em Dakar. Para servir a América do Sul a “Linha” passou a trazer as malas de correspondência de Dakar a Natal por via marítima. Em Natal passavam as malas do correio para o avião que lá estava à espera.
Fazendo inúmeras escalas, além das descidas por pane, como aconteceu em Santos, Ubatuba e Praia Grande, chegavam a Buenos Aires. Saint-Exupéry foi encarregado de estender a “Linha” até Punta-Arenas. De Buenos Aires foram a Santiago, transpondo os Andes. Santiago era o ponto final da “Linha”, na América do Sul.
O primeiro voo noturno foi efetuado por Mermoz, em Abril de 1928, ligando Rio a Buenos Aires. Esse mesmo piloto – Mermoz – fez a travessia do Atlântico, em 21 horas e 15 minutos, chegando a Natal no dia 12 de maio de 1930, pilotando um pequeno hidroavião. Foram seus companheiros o navegador Dabry e o rádio Gimié.
Em 1970 esteve no Brasil o grande pioneiro da Aéropostale: Didier Daurat. Nada foi noticiado sobre a presença deste francês apaixonado pela aviação e ele aqui passou sem que fosse notado. No começo deste ano morreu Didier Daurat, o chefe da Linha Letécoère, que engajou Saint-Exupéry na Linha Tolosa-Dakar, em Outubro de 1926.
Também faleceu, recentemente, a mãe de Saint-Exupéry – Marie de Fonscolombe, Condessa Jean de Saint-Exupéry.
Este livro tem o objeto de divulgar aquele que escreveu: “Nós nos unimos no sorriso, acima das línguas, das castas e dos partidos”. Destina-se a meus irmãos, todos, sem exceção de raça, de idade e de religião.
Os jovens, com certeza, encontrarão em Saint-Exupéry o amigo fiel, o irmão mais velho, o companheiro de jornada. Conhecerão aquele que nos diz: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...” E ainda: “Eu te desejo fiel. Porque a fidelidade consiste em ser fiel, antes de tudo, a si mesmo”.
Irmã Rosa Maria
São Paulo,
7 de outubro de 1973.
(*) - Nota de apresentação à 2ª edição do livro “Saint-Exupéry e o Pequeno Príncipe” de autoria da Irmã Rosa Maria (Dominicana)
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