ISC - Idealizado em 1993, o Instituto Salerno-Chieus nasceu como organismo auxiliar do Colégio Dominique, instituição particular de ensino fundada em 1978, em Ubatuba - SP. Integrado ao espaço físico da escola, o ISC tem a tarefa de estimular a estruturação de diversos núcleos de fomento cultural e formação profissional, atuando como uma dinâmica incubadora de empreendimentos. O Secretário Executivo do ISC é o jornalista e ex-prefeito de Ubatuba Celso Teixeira Leite.
O Núcleo de Documentação Luiz Ernesto Kawall (Doc-LEK), coordenado pelo professor Arnaldo Chieus, organiza os documentos selecionados nos diversos núcleos do Instituto Salerno-Chieus (ISC). Seu objetivo é arquivar este patrimônio (fotos, vídeos, áudios, textos, desenhos, mapas), digitalizá-los e disponibilizá-los a estudantes, pesquisadores e visitantes. O Doc-LEK divulga, também, as ações do Colégio Dominique.

LEK - Luiz Ernesto Machado Kawall (1927-2024), jornalista e crítico de artes, foi ativo colaborador do Instituto Salerno-Chieus (ISC) e do Colégio Dominique. É um dos fundadores do Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do Museu Caiçara de Ubatuba.

27 novembro 2024

Letras Ubatubenses

ATÉ BREVE
(em memória aos que,
de fato, não foram)
João Paulo Naves Fernandes
Certas ausências
nunca morrem,
ficam nos interpelando
os dias que se vão,
como se continuassem.

Certas ausências
são mais que presenças,
dão opiniões,
sorriem de nossos erros,
compreendem.

Nos dias quentes
de verão, as vezes
nos despedem
de suas ausências,
e retornam
vagarosamente
até a primavera,
quando parecem
estar ao nosso lado.

Quando vemos,
o tempo
já se esgotou
a lembrança
é quase um reencontro.

Nunca digo adeus
a quem foi,
mas até breve.

Letras Ubatubenses

INDEFINIDO
João Paulo Naves Fernandes
Não entendo
meu coração,
desperta
dorme,
esquenta
esfria,
comove-se,
é indiferente.

O que gostaria
que fosse,
não é,
segue rumo próprio.

Estranhamente
guarda o tempo
em envelopes;
são abertos
tardiamente,
quando não resolve
na hora...

Outros,
sequer são abertos,
nem mesmo eu
arrisco abri-los.

Há ocasiões
em que finge-se
de morto;
é imenso o esforço
para revivê-lo,
nunca volta
como antes,
precisa começar
tudo de novo.

Há períodos
de extrema formalidade,
semelhante às badaladas
de um relógio de corda,
faz tudo conforme
o sistema estabelece,
parece não sofrer .

Hoje não sei,
quem sabe desperte,
quem sabe durma...
ou aqueça,
esfrie,
sei lá...

Letras Ubatubenses

MENSAGEIROS
João Paulo Naves Fernandes
Tenho um mensageiro do vento
na entrada de casa.
Traz notícias de longe,
altos mares,
montanhas escarpadas,
sintetizadas no bater
de notas metálicas agudas,
como as mudanças.
Anuncia leves brisas,
fortes tempestades.
Traz o que está
do lado de fora
da proteção
que me encontro,
faz pensar...
Tenho outro mensageiro,
escondido no fundo da casa.
Prefere discrição,
quer dizer algo,
aguarda raros silêncios.
Não o escuto direito,
exige total atenção.
Espera eu descer
alguns andares
de pensamentos,
então, bem baixinho,
sussurra pequenas sugestões.
Não se apresenta ostensivamente,
não gosta de interferir
em minhas opiniões
e decisões pessoais.
Tem mansidão,
voz suave quando fala.
Outro mensageiro ainda,
aproveita a dobra
da noite e do dia,
vem rápido,
diz logo o que quer,
cheio de tarefas.
Nunca completa uma frase,
é enigmático,
espera que eu decifre.
Muito concreto,
traz ordens
a serem cumpridas.
Mais um,
despe-se de sua suntuosidade,
fala a todos,
alto,
em plena tarde,
quando os sonhos
estão desfeitos.
Chama-me sempre pelo nome;
se o procuro,
a ninguém encontro.
De vez em quando
alguém quer se fazer
mensageiro.
A este,
quando identifico,
desprezo.
Tenho muitos
mensageiros comigo,
estão sempre aqui e ali.
Foram colocados
para que eu acerte
o caminho,
não erre tanto.

22 novembro 2024

Rumo aos 50!

Letras Ubatubenses

AQUI E AGORA
João Paulo Naves Fernandes
Sou o momento,
o instante,
afago e o beijo,
do sempre presente
desejo,
desapego e distância.

Sou do pé firme no chão
e olhos nos confins,
da palavra
que vai fundo ao coração,
e do silêncio da espera
de oportunidade.

Sou do grito por justiça,
e das lágrimas que correm,
viagem deslumbrante
em diferentes trajetos.

Nada espero e pouco almejo.

Tudo deposito no aqui e agora.

Sonho enquanto faço,
luto na realidade da vida,
presença viva
no meio de mortos.

Sou palavras de ordem
aos desalentados, 
e gritos de guerra
aos surdos.

Marco os passos
por onde ando
e abro frentes novas
diante das dificuldades.

Sou peregrino de mim mesmo,
retirando velhos escombros
reconstruindo novo ser.

20 novembro 2024

Letras Ubatubenses

Tarrafa Literária


Letras Ubatubenses

MÃE MENINA
João Paulo Naves Fernandes
outubro 21, 2013
O filho
quase uma boneca,
de tão nova.

A criança
e a criança da criança.

Entre os dois
uma fantasia órfã diverte
no percurso antecipado.

Algo tardará amanhã
do tempo que não veio
que se foi.

Algo se suportará sem razão.

(Poema "Mãe Menina" do livro "Dito pelo não dito")

Letras Ubatubenses

COAQUIRA E O EMISSÁRIO DO REI 

Paulo Andrade 

“Voltam os Tamoyos a Iperohy, enterram

os seus mortos, e Coaquira cura os feridos.

(Gonçalves de Magalhães in Confederação dos Tamoyos) 

Ubatuba, Capitania de São Vicente – 1550

Coaquira estava em sua oca, quando foi chamado por um índio da aldeia:

— Murumuxaua, tem visita!

— Quem é? — Inquiriu o chefe da Aldeia Iperoig.

— Homem branco português. Disse que tem urgência em falar com o murumuxaua.

— Mande entrar! — ordenou o superior iperoiguense.

Um homem de meia idade, barbudo, com roupas pesadas entrou no recinto da oca e saudou;

— Vida longa a Coaquira, bravo chefe de Iperoig!

— O que Portugal quer de Coaquira? — perguntou rispidamente.

O homem continuou:

— Sou emissário de Dom João III, enviado diretamente ao senhor. O rei sabe de suas habilidades de cura e precisa de sua ajuda.

— Na casa do rei tem os melhores curandeiros brancos.

— Sim, mas não conseguem a cura.

— Tem coisas que ninguém pode mudar, porque já estão escritas nas leis do céu.

— O que o senhor quer dizer?

— Diz a João III para aceitar seu destino. Coaquira só pode ajudar o rei a sofrer menos.

— O que o senhor recomenda?

— João sofre da doença da tristeza. É o peso do reino. Seu governo o escraviza. Tem muitas dívidas. É considerado o rei mais pobre da Europa. Seus pares também reis se referem a ele com chacota. Não pode pagar as dívidas dentro e fora de Portugal com os pesados juros. Ele queria estar livre da carga, mas não pode. Isso o faz sofrer da doença da tristeza.

Ele só pode se livrar do fim que lhe está escrito se deixar o trono. Ele passa a noite pensando nisso, não dorme. Vejo que o rei cochila no trono, enquanto despacha.

— Como o senhor sabe de tudo sem nunca ter visto o rei?

— Está tudo escrito e Coaquira lê nas linhas do livro  do céu. Seu rei não come direito, tem problemas de intestino, a comida não lhe faz bem.

— O que fazer murumuxaua?

— Coaquira não pode mudar o que o plano superior determinou, mas leva isso! É Cambará. Vai ajudar o rei a dormir e comer melhor. Mas não pode mudar o que vai acontecer daqui a sete anos. O rei deve aproveitar esse tempo para viver bem.

— Como é que se usa isso Murumuxaua?

— O rei vai fazer chá da folha e tomar de manhã antes de comer e à noite, antes de dormir. Um vaso pequeno basta por vez.

— Obrigado murumuxaua, o rei mandou-te esse agrado. — disse o fidalgo estendendo uma bolsa de moedas de ouro.

— A ajuda de Coaquira já foi paga pelo céu, Tupã já pagou. Agradeço a ajuda, mas prefiro que dê às crianças pobres dos orfanatos de Lisboa.

— Será feita a tua vontade murumuxaua.

O emissário saiu levando o pacote de ervas dado por Coaquira. A cada seis meses o emissário voltava para renovar a carga do remédio que ajudava o rei a se sentir melhor.

Coaquira seguiu ajudando o rei e a quem o procurava para curar seus males. Era murumuxaua, com boa vocação para Pajé.

16 novembro 2024

Letras Ubatubenses

A BONECA
Paulo Andrade
A menina sapeca
Que ri e que apronta,
Com uma boneca
Se acalma, se encanta.

A menina acanhada
Que quieta se fica,
Com uma boneca
Sorri e modifica.

A menina que ao espelho
Se vê e se especta,
Diz pra si: assemelho
Ser essa boneca.

A menina boneca,
boneca menina,
Sorri e não peca
Com a pequenina.

Pois nela se vê
E nela prospecta,
O desejo de ser
Eternamente boneca.

Letras Ubatubenses

A BOLA
Paulo Andrade
Dentro da sacola
que levo no braço,
No caminho da escola,
Ocupa um espaço 
Junto com a cola e
o caderno, a bola.

Andando, gasto sola,
Eu e meus colegas.
Uns andam como mola,
outros como cabra-cega.
Outros tocam viola,
Mas ninguém mesmo enxerga
Onde está a minha bola.

De um lado a turma embola
Andando no canto da estrada.
Carlinhos o tênis esfola
Andando na caminhada.
Correndo, Juninho extrapola,
Mas ninguém sabe nada
Sobre onde está minha bola.

É que não quero mostrar,
sei da vontade que assola,
a garotada a querer brincar.
Se eu mostrar a bola,
Ninguém sairá do lugar,
Ninguém chegará à escola.

Letras Ubatubenses

O MENINO MODERNO
Paulo Andrade
Ele passa as horas
Perdido no celular.
Uma rede social agora,
Depois pega a jogar.

No seu mundo navega
em mares virtuais.
Não ouve e nem enxerga,
quando lhe chamam seus pais.

O certo é que o menino
do futuro faz parte.
E vaga bem peregrino
no mundo onde faz arte.

Letras Ubatubenses

OLHAI OS LÍRIOS
Paulo Andrade
Olhai os lírios do campo!
Estão sujos na rua
Não se vê mais o seu branco
Sob o sol ou sob a lua

Olhai os lírios do campo!
Eles têm que trabalhar?...
Muitos não tem mais seu canto,
Um lugar para morar.

Olhai os lírios nas ruas!
Será que não tem pais?...
Me angustia as angústias suas
E o futuro que se faz.

Letras Ubatubenses

O PATINETE
Paulo Andrade
No natal
A menina pediu
de forma especial
Um presente que viu.

Estava bem à vista,
Em uma loja da rua.
Ela pediu ao lojista
O preço da prenda sua.

O nome da menina
Vou dizer: é Elizabete
E o presente, imagina?...
É um patinete!

Letras Ubatubenses

DORES AUSENTES
João Paulo Naves Fernandes
Ninguém conhece
minha dor.

Meus olhos
treinaram alegria,
consegui esconder
meus sofrimentos.

Todos
me veem alegre,
divertem-se comigo,
não sabem
o que guardo.

Cada um
com sua dores
mudas...

Vem um dia,
vai outro,
assim vão seguindo
dias sem fim,
enquanto celebro,
silenciosamente,
alegres ausências.

Letras Ubatubenses

ESSE NÃO É O MEU POVO
Joban Antunes
Poeta caiçara
Quem a louco admira
Um governante genocida
Que tira o valor da vida
Incita a fazer loucura
Impede a nossa cura
E mente de cara dura
Que vai fazer tudo novo
Esse não é o meu povo

Aprova ataques insanos
Aos pilares da democracia
Sem se importar com os danos
E a malta o obedece
Com toda anomalia
E a impunidade cresce
E mentem com muito denodo
Esse não é o meu povo

15 novembro 2024

Letras Ubatubenses

NUVENS BRANCAS
João Paulo Naves Fernandes
novembro 12, 2024
Nuvens brancas
passeiam lentas,
quase descansam
no manto azul,
parecem fotos.

Convidam
à paciência,
à paz.

Não se evaporam
rapidamente
diante do Sol,
disfarçam suas fragilidades.

São esperança de durabilidade.

Cientes de si,
desdenham
as avenidas congestionadas,
as mentiras
nas redes sociais.

Passam isentas,
seguem
não sei para onde,
não é necessário acompanhar.

De alguma forma
desaparecem
sem que se sinta falta.

Sou uma pequena
nuvenzinha a observar
tudo embaixo.

Hoje aqui,
amanhã,
sabe-se lá...

Letras Ubatubenses

VESTÍGIO
João Paulo Naves Fernandes
Não passa...
o tempo segue seu curso.
Para muitos passa,
porque o passado
apaga tudo.
Se sorrio
enquanto choro,
o quê importa
para as pessoas
que desconhecem,
não veem,
não sentem.
Quando entardece,
sou jogado
contra mim,
afloram
grandes distâncias

09 novembro 2024

Letras Ubatubenses

ÀS VEZES
João Paulo Naves Fernandes
Às vezes
não vem palavras,
mas lágrimas...

Olhos perpassam
vulneráveis fisionomias,
penetram...
descobrem a verdade
além da postura superficial,
vão dentro...

Às vezes
fico confuso
sobre a quem respondo,
a quem falo.

Melhor deixar
oculto o oculto,
submeter-me
às trivialidades.

Melhor remexer escombros
escavar vidas soterradas,
não estão ali por acaso,
esperam socorro.

Às vezes
palavras
são melhores
que lágrimas,
curam ...

03 novembro 2024

Letras Ubatubenses

BEIRA MAR 
João Paulo Naves Fernandes
outubro 31, 2024
Água de coco,
ondas findando
o mar,
povo distraindo-se.
A natureza perdoa
as contradições,
com diversões.
O Brasil renitente
do meio ambiente,
meias teorias,
maresias.
A prova do prazer
arrefece o sofrer.
Aprecio
a identidade do Sol,
da brisa,
as doutrinas do vôlei,
o partido dos copos vazios,
nunca enchem,
atingem a vertigem
das marés baixas,
distantes das dores.

02 novembro 2024

Letras Ubatubenses

DIA DOS MORTOS
Joban Antunes
Poeta caiçara
Hoje é o dia de todos
Os que já partiram
Os que sonham com a partida
Os que angustiamente aguardam ela
Os mortos de fome
Os mortos de medo
Os mortos de frio
Os mortos de sono
Os que morrem de paixão 

01 novembro 2024

Letras Ubatubenses

ESTÁ CHOVENDO...
Joban Antunes
Poeta Caiçara
Está chovendo...
Depois de dias de sol e calor está chovendo...
E os pingos tamborilam no bojo da canoa emborcada fora do rancho
Como se fosse uma canção antiga que a gente só lembra as notas
A musicalidade
Mas esqueceu da letra.
Está chovendo como se o céu chorasse as nossas mágoas
Como se o chão pedisse beijos
Como se nos lavasse o coração
A superfície do mar encrespada pela chuva nos convida a pescar
Os gonguitos e os pampos que pulam na arrebentação para sentir a água doce da chuva
Quando menino corria no meio do capim-melado para sentir no corpo o joçá grudado cosquento
E depois ter desculpa para banhar-se no mar
Está chovendo...
Mesmo assim o dia não está triste porque cada coisa
Cada parte desse cenário se com o sol fica brilhante
Com a chuva fica límpido e tem a suavidade de uma alegria esquecida

Letras Ubatubenses

João Paulo Naves Fernandes lançará o POMAR DE LETRAS, junto com a 2ª edição do DITO PELO NÃO DITO, que publicou em 1988. O lançamento será em 14 de dezembro de 2024, sábado, das 18h às 20h30m, no Espaço Scortecci, à rua Dep. Lacerda Franco, 96, em Pinheiros, São Paulo -SP.

Letras Ubatubenses

CONFIDÊNCIA
(Véspera de Todos os Santos)
João Paulo Naves Fernandes
Cometi muitos erros
em minha vida.

Quem sabe,
mais erros
que acertos.

Cheguei ao fundo
do poço,
ninguém sabe disto.

Por isso compreendo
os erros dos outros,
de todo o tipo.

Por ter errado muito,
aprendi, no sofrimento,
a não colocar-me
acima das pessoas.

Se olho de cima
(quem sou eu
para estar no alto),
quem sabe
mais Deus tenha
de se esforçar
em sua misericórdia,
para comigo.

O mundo sempre esteve
em minha frente
como uma conquista
a ser feita.

Somente o tempo
celebrou o casamento
do mundo comigo,
e pudemos fazer as pazes,
regar jardins
descobrir terras novas,
cuidar dos feridos
de toda ordem.

Ferido a cuidar
de feridos.

Ainda luto...
contra o mundo
e contra mim.

Sinto-me sempre puxado
para um lado
que não é bom,
enquanto esforço-me
para seguir outro,
ditado pelo coração.

Assim,
posso ser encontrado
às vezes sisudo,
outras vezes alegre,
depende do momento,
por onde caminho.

Tantos erros,
que tento
fazer o bem,
compensação
de situações
que não
se compensam,
acumulam.

Está somatória desperta
um juízo adormecido
que pende,
ora para o perdão,
ora acusação... 

Assim vou...