(uma quase resenha)
por Arnaldo Chieus
Este pequeno livro de poesias de autoria de Hélio Pinto Ferreira, magro em número de páginas, é permeado de questionamentos existenciais num misto de imagens caleidoscópicas em alto grau de espontaneidade poética. Em seus vinte e três poemas curtos o lirismo hirto de Hélio Pinto Ferreira se expõe por completo.
Poeta de um lirismo natural, sua poesia humanística transcende o limite meramente individual para pousar nas reentrâncias do cotidiano comum,
Onde há rosas tresmalhadas
Onde as lâmpadas substituem estrelas.
E onde seu caminho se apega às íntimas dobras de sua condição humana.
Joseense e valeparaibano, em sua poesia o discurso poético é uma forma de conhecimento – autoconhecimento – e aqui recorro a uma associação feita por Nereu Correa posto que sentimos o poeta na onda lírica que envolve sua mensagem.
Em seus próprios questionamentos existenciais o poeta expõe os dramas e inquietações de seu tempo presente:
O que será de meu trigo
Se a liba não tem abrigo
Se a fome não tem manhã?
A vida presente não se restringe às condições meramente temporais. Não são poemas, poemetos, quase poemas. É o canto resistente da sua visão da paisagem humana construída com rigor, na ternura de um verso, na beleza de uma flor, jogando com o verso num caleidoscópio fixando sua imagética a uma absoluta subordinação à realidade.
Por mais uma vez sirvo-me do exemplar ensaio de Nereu Correa a respeito da poética de Cassiano Ricardo para referir-me aos versos de A Vida Presente de Hélio Pinto Ferreira. Não há lugar comum na desenvoltura de sua linguagem lírica capaz de captar os secretos mecanismos para convertê-los em linguagem poética.¹
O livro nos traz todo um fluxo criativo natural em suas expressões líricas nos pondo diante d’
a ternura de um verso
a beleza de uma flor.
Esse corte/recorte nos revela o estado de madureza de seu discurso circunstancial aproximando-se num contínuo da marcha poética de Cassiano Ricardo.
Poeta, jornalista, advogado, Hélio Pinto Ferreira nasceu em São José dos Campos em 12 de maio de 1922.
Formou-se em direito pela Faculdade de Direito do Vale do Paraíba na sua primeira turma, em 1958. Além de advogado também atuou como repórter e cronista em diversos jornais joseenses.
Sua inclinação para a poesia se manifestou a partir da adolescência, influenciado principalmente pela poesia de Cassiano Ricardo, com quem teve breve convivência à época da criação da Semana Cassiano em homenagem ao grande poeta joseense. Convivendo com líderes da imprensa local e outros entusiastas da literatura, deu à luz seus primeiros poemas, futuramente enfeixados nos livros “A Vida Presente” e “Pequena Antologia Poética”, ambos sob o selo da antiga Livraria São José, do Rio de Janeiro.
Fez parte do núcleo criador da Semana Cassiano Ricardo, nos idos de 1967, juntamente com Roberto Wagner de Almeida, Altino Bondesan, Mário Otoboni, Pedro Paulo Teixeira Pinto, José Madureira Lebrão, Olney Borges Pinto de Souza, entre outros nomes ligados à vida cultural e artística de São José dos Campos. Ainda na área cultural foi um dos fundadores da extinta Sociedade Joseense de Cultura ao lado de Brasílio Duarte, Olney Borges Pinto de Souza, Domingos de Macedo Custódio, Breno de Moura, Francisco Pereira da Silva (Chico Triste), Armando Cobra, entre outros.
Por ocasião da IX Semana Cassiano Ricardo integrou a comissão que foi à Academia Brasileira de Letras para a entrega do retrato de Cassiano Ricardo em óleo sobre tela de autoria do pintor joseense José Carlos Queiroz.
Ao penetrar no universo lírico de Hélio Pinto Ferreira não deixamos de notar um “quê” da seiva lírica de Cassiano Ricardo. O filtro poético de sua práxis abriga recurso de originalidade (no que me valho de um conceito de Nereu Correa), revelando amadurecimento seu natural amadurecimento lírico.
Esse fazer poético foi se consolidando lentamente ao sabor das amizades que se fortificaram em torno da linguagem proso/poética de Cassiano Ricardo. E da consolidação desse diálogo foi surgindo, delicadamente, a suave cançoneta de seus versos livres, “arquitetando o poema”, “no mais leve sentir do mundo”.
“A Vida Presente” teve sua impressão concluída em agosto de 1965, sob o selo da Livraria São José, local icônico do Rio de Janeiro que reunia os grandes escritores daquela época entre seus fiéis frequentadores. O livro é dedicado a Carlos Ribeiro, “o mercador de livros, mas antes de tudo o batalhador pela cultura brasileira, a estima e a gratidão do autor”.
Hélio Pinto Ferreira faleceu em 13 de junho de 1989, na cidade de São José dos Campos e deixou as seguintes obras:
Seis Poemas Inéditos, 1961;
Monólogo do bacharel e outros poemas, Rio de Janeiro, RJ, 1962;
Pequena Antologia Poética, Rio de Janeiro, 1963.
A Vida Presente (poemas), Rio de Janeiro, 1965;
13 Poemas num Cordel, 1982.
Em homenagem ao poeta a prefeitura de São José dos Campos criou a Biblioteca Hélio Pinto Ferreira, que está localizada na Rua Prof. Henrique Jorge Guedes, 57, no bairro Jardim das Indústrias, contando com excelente infraestrutura de atendimento ao público consulente além de área para exposições temporárias. A Biblioteca Hélio Pinto Ferreira funciona de segunda a sexta-feira, das 8h15 às 11h45/13h15 às16h45.
SELEÇÃO DE POEMAS
1. POEMA
Que será de meu trigo
se a loba não tem abrigo
se a fome não tem manhã?
Cresce a tarde nas fogueiras...
que será de meu carneiro
que será de minha lã?
Desce a noite nos desvelos
vai desfiando os novelos
de infindável tecelã.
Que será da semeadura
para o instante da fartura
desta terra de amanhã?
2. ATITUDE
Por este caminho eu não vou
eu vim.
O céu se retesa
e há rosas tresmalhadas
a beira-rio.
Não posso mais cindir estradas
sob a poeira. Minha capa
é translúcida e tenho amor às montanhas.
Percorrer o percorrido
com o chapéu das acácias
na cidade onde lâmpadas substituem estrelas.
Poeta no mais leve sentir do mundo
arquitetar o poema.
3. AURORA ENSANGUENTADA
Uma flor na rodovia
na roda viva do dia
caída, esfacelada!
Como pode a geografia
na triste heliografia
ser-se rude numa estrada
a ponto de a poesia
romper a fotografia
de uma rosa macerada
e marcar na biografia
de uma vida que se ia
a aurora ensanguentada?
4. QUASE POEMA
Do enigma e do mistério surge o ser
para a triste paisagem humana.
O homem vive e se prolonga
na espécie: a vida desengana,
e ele engana a existência
em cego engano que o engana
até que um dia parte num esquife
esquecido de sua própria canção.
5. CANÇONETA
Rosa morta dos acasos
Que fizeste esta manhã?
Que âncora te conduziu?
Por que estrela te guiaste?
Ridente era o teu destino,
Rosa, Rosa, meu amor.
Não há penas, nem desculpas,
sob um céu de garças tontas.
Sobe os píncaros dos montes
grito solto nos rochedos.
Que é feito de teu sorriso?
Quem crestou as tuas pétalas?
Teu silencio é de túmulos
entre goivos e ciprestes.
Quem manchou-te a formosura,
Rosa, Rosa, meu amor
[1]
Cassiano Ricardo o Prosador e o Poeta, p. 57.
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